#06 Mostra de São Paulo 2020

 



O NARIZ OU A CONSPIRAÇÃO DOS DISSIDENTES

Direção: Andrey Khrzhanovsky

Ano: 2020

País de origem: Rússia

    Abrindo com uma cena dentro de um avião, O Nariz ou A Conspiração dos Dissidentes já deixa o espectador confuso, já que o filme é divulgado como uma animação dirigida por Andrey Khrzhanovsky. Aos poucos, as coisas vão ficando cada vez mais confusas, deixando o público totalmente desorientado. Quem não é grande conhecedor da história da União Soviética fica ainda mais perdido, pois o longa está repleto de referências ao país e pessoas importantes da época, estabelecendo-se como, mais a frente, como uma grande sátira ao governo de Josef Stalin (1878-1953).

    O filme parte de uma adaptação do conto satírico O Nariz, de Nicolau Gogol, mas expande-se à medida que utiliza a história da obra-base para falar da administração soviética e diversas facetas de sua sociedade. Da mesma forma que o conto já havia sido adaptado para uma ópera, composta por Dmitri Shostakovich, esta também é utilizada na narrativa. Isto transforma boa parte do longa em uma estrutura de musical. A mixagem de som carregada tem um propósito, pois comunica toda a confusão que era viver em um sistema como aquele.

    Após um determinado período no qual a obra se dedica estritamente a sua base literária e musical, a narrativa é desviada para seu foco principal: as críticas a Stalin. O personagem é muito bem construído pelo roteiro e pelo ator que o dubla, que conferem um tom passivo-agressivo a suas ações como governante, conferindo certo humor também. O problema é que, diferente da figura do chefe máximo de Estado, os outros nomes históricos são pouquíssimo conhecidos do grande público, tornando o filme pouco atrativo e de difícil compreensão em alguns momentos.

    Com um excelente final, o diretor, que também é co-roteirista, demonstra como arte é um dos maiores meios de combate a sistemas fascistas. São os artistas que nos transportam para as nuvens e fazem com que a realidade possa ser, ao mesmo tempo, atenuada e exposta. Em um Brasil onde a cultura é constantemente atacado pelo (des)governo de Jair Bolsonaro, O Nariz ou A Conspiração dos Dissidentes deveria servir como um alerta para a população sobre a importância da valorização da Arte.





17 QUADRAS

Direção: Davy Rothbart

Ano: 2019

País de origem: EUA

    O diretor Davy Rothbart conheceu um garoto chamado Emmanuel em uma quadra de basquete, se encantou pelo menino e decidiu procurar sua família. O cineasta os presenteou com câmeras para que gravassem o seu cotidiano, expondo uma realidade a partir dos olhos de quem nela está inserido (assim como o recente Selfie). Não sei quais eram os planos iniciais de Rothbart, mas o projeto acabou durando 20 anos (1999-2019).

    Sua abordagem evoca Boyhood, filme de Richard Linklater que já estabelece merecidamente sua fama de jovem clássico. Ambos abordam um período extenso da vida de suas famílias-protagonistas, a diferença (além de um ser ficção e o outro ser um documentário) é que aqui todos são negros vivendo nos Estado Unidos e encarando toda a dura realidade de opressão, preconceito e massacre inflingidos sobre as minorias. As marcas do tempo podem ser observadas em cada um dos integrantes à medida que os anos se passam, e o espectador passa a sentir afeto por cada um, sofrendo e sorrindo junto daquelas pessoas.

    O afeto entre os membros da família é capaz de atravessar a tela e contagiar quem assiste ao documentário, despertando empatia mesmo nas pessoas de mais diferentes condições sócio-político-econômicas, a não ser que sejam incapazes de reconhecer a luta das pessoas negras. A agressão policial está presente e se mantém constante ao longo dos 20 anos, demonstrando nossa incapacidade evoluir como sociedade e de estruturar melhor nossas instituições. 17 Quadras é um filme sobre família, amor, negritude, sociedade e preconceito, mas também é um atestado de como pessoas subjugadas pelos padrões opressivos de nosso sistema político não são apenas estatísticas. Emmanuel deixa de ser apenas um número entre as vítimas de homicídio. A empatia despertado em cada espectador expõe seu nome, assim como de muitos outros que sofreram (e ainda sofrem) diante da violência.



Texto escrito por Matheus C. Fontes como parte da cobertura da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Capitu e o Capítulo (2021)

Mangrove (2020)

Oscar 2022: Apostas para as Nomeações