France

FRANCE

Direção: Bruno Dumont

Ano: 2021

Países de origem: França / Alemanha / Itália / Bélgica

    Se Zygmunt Bauman falava sobre sociedade líquida, é possível observamos hoje um processo de "virtualização" das nossa relações, cada vez mais dissolvidas em um código binário de 0 e 1 que parece muito mais real do que espaços físicos para tantos. O cinema, como um retrato de seu tempo, está cada vez mais buscando explorar essas ideias em suas narrativas, como os recentes Annette e Zeros and Ones. É interessante perceber como não são jovens diretores os que mais se destacam nesta exploração do contemporâneo, mas nomes já consagrados há décadas, cujo peso do tempo é essencial para sentir o verdadeiro absurdo do século XXI.

    O francês Bruno Dumont junta-se a Carax e Ferrara como um dos autores que melhor explorou a temática em 2021. Desde a fotografia extremamente digital até os efeitos visuais propositalmente nada realistas, France nunca esconde sua encenação por trás de uma busca sem sentido por realismo. Pelo contrário, entende a necessidade expor a artificialidade de seus personagens também na forma, flutuando constantemente no meio do paradoxo da suspensão de descrença do cinema.

    No início, Dumont estabelece um tom satírico que já desestabiliza o espectador, deixando-o sem saber o que esperar nas 2 horas seguintes. Porém, o diretor não segue o caminho esperado por meio de uma série de críticas que faz à sociedade seu país, dissolvendo a comédia social no melodrama, o qual não cansa de exibir-se para o público, seja pela trilha sonora apelativa ou pelas tentativas de criar "grandes momentos" com silêncio dramático e longos planos da protagonista chorando.

    France de Meurs (Léa Seydoux) é uma jornalista política que não entende jornalismo ou política, mas é apaixonada pela própria imagem, fazendo questão de aparecer em todas as reportagens que realiza. Ela leva sua vida como sensação da televisão francesa, adorada por todos, até que percebe o próprio absurdo após atropelar um jovem no meio do trânsito. A personagem entra num estado catatônico ao entender que tudo o que nutriu por todos aqueles anos não passa de uma farsa: a relação com o marido está morta, o filho não liga para ela e, embora trabalhe com notícias que buscam informar a população sobre questões político-sociais, é apenas mais uma parasita burguesa.

    Entretanto, isto não a leva numa jornada de redenção, como seria esperado das várias produções hipócritas de Hollywood que tentam abordar política. O melodrama da protagonista apenas ressalta sua natureza satírica. France chora no meio de moradores de rua porque se sente culpada por seus privilégios; tenta reembolsar a família do jovem que ela atropelou e faz um discurso sobre como estava se sentindo bem por fazer caridade pela primeira vez na vida; vai tratar sua depressão num loca de luxo no meio das montanhas, aonde os fãs das celebridades não podem alcançá-las por que não têm dinheiro, como ressalta uma personagem. Por fim, ela simplesmente volta a trabalhar no mesmo emprego, forjando as mesmas reportagens e querendo ser vista por todos.

    O longa sofre um pouco pelas diversas sequências que tentam dizer a mesma coisa, sem chegar a um lugar novo ou tentar utilizar um meio diferente, repetindo boas ideias e reduzindo sua efetividade. Mesmo assim, France é um grande trabalho de um autor em pura revolta pelo próprio país e pelos males que a era digital nos trouxe. Desta forma, a protagonista continua a chorar pelo absurdo e pela mediocridade da própria existência, mas não deixa que isto a pare. Ela pode até continuar chorando, mas sempre será performance, sempre será para uma câmera.

Texto publicado como parte da cobertura do Festival de Cinema Internacional de Toronto 2021

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