Cine Odisseia

COWBOYS Direção: Anna Kerrigan Ano: 2020 País de origem: EUA     As produções audiovisuais que abordam causas LGBTQIA+ têm uma importância social muito grande, pois são uma maneira (às vezes, a única) de pessoas historicamente excluídas serem capazes de  se enxergar na tela. Sendo assim, realizadores constantemente sentem-se na obrigação de conceber um filme quase como um aula sobre o tema, recorrendo a narrativas convencionais, o melodrama para despertar sentimentos (rasos) no público e roteiros didáticos e expositivos, como se fosse seu dever ensinar o espectador a realidade daquelas pessoas. Um gesto nobre e socialmente importante, mas que acaba esquecendo a dimensão artística do cinema.     Este é um problema cada vez mais comum, e Cowboys  é apenas mais um exemplo disso. O novo longa da diretora Anna Kerrigan é um drama focado no relacionamento entre um pai com problemas psicológicos (Steve Zahn), uma mãe super controladora (Jillian Bell) e um garoto de 11 anos (Sasha Knight), que

ENFANT TERRIBLE Direção: Oskar Roehler Ano: 2020 País de origem: Alemanha     Realizar uma cinebiografia não é tão fácil como parece para alguns. O filme não pode simplesmente contar passagens da vida da personalidade abordada, de seu nascimento até a morte, de forma didática e convencional, como na maioria dos livros bibliográficos. O cinema é uma expressão artística que, em seus 125 anos, provou o quão independente consegue ser da literatura e do teatro, aos quais era tão associado à altura de seu surgimento. Estamos falando de uma arte audiovisual, a qual pode (e muitas vezes deve) utilizar uma quantidade exorbitante de recursos para contar histórias ou simplesmente provocar sensações no público.     Sendo assim, representar a vida de uma pessoa real apenas complica mais a tarefa dos realizadores. Ao olhar alguns exemplos do gênero lançados nos últimos anos é perceptível como esses filmes assumiram uma narrativa ortodoxa e já esgotada, longe de explorar todas as possibilidades ofere

A Metamorfose dos Pássaros (Portugal Film)     Depois de um dos anos mais perturbadores da nossa história recente, a esperança que nos restou era a de que pudéssemos começar 2021 em um certo retorno à "normalidade", mas não foi o que aconteceu. No dia anterior à data de publicação deste texto, o Brasil alcançou 2841 mortes em um período de 24 horas, uma tragédia alimentada por uma parte insensível da população e por um governo liderado por genocidas. Diante de tudo isso, não foi fácil encontrar forças para se dedicar ao que nos faz bem.  No entanto, gostaria de destacar a importância desempenhada pelo cinema na minha vida nos últimos meses.     Em um período em que nada parecia fazer sentido algum, foram os filmes que me fizeram enxergar além dos muros nos quais eu estava aprisionado. Ao mesmo tempo que fui privado de ter uma experiência de catarse coletiva em uma sala escura e diante de imagens gigantes, a tela da minha televisão tornou-se uma janela para lugares e tempos no

    Depois de um dos piores anos da história da humanidade, é difícil achar forças para celebrar algo, embora pareça que grande parte dos brasileiros estão vivendo em uma realidade alternativa e não conseguem enxergar a gravidade do caos que estamos enfrentando. Para aqueles cuja decisão foi permanecer em isolamento e proteger aqueles que amam, talvez não seja fácil ver sentido em uma premiação nesse contexto, um argumento totalmente compreensível. No entanto, foram tempos sombrios para o próprio cinema também. Transformações ocorreram em uma velocidade drástica e inimaginável pré-pandemia.     A questão é a seguinte: os filmes que conseguiram ser lançados e assistidos nos últimos meses são vitoriosos. Eles foram capazes de chegar ao público de diversas formas (streaming, VOD, salas de cinema) enquanto outros tiveram que ser adiados por muito tempo e ainda continuam sem perspectiva de lançamento. As produções que estão concorrendo nas premiações dessa temporada, independente da qualida

THE FATHER Direção: Florian Zeller Ano: 2020 País de origem: Reino Unido / França     Texto escrito por Matheus C. Fontes     Como eu já escrevi na meu texto sobre o documentário chileno Agente Duplo , o envelhecimento é um processo do qual tenho extremo receio (medo, para falar a verdade). Crescer com alguém próximo chegando à velhice não é algo fácil, e eu tive essa experiência em dose tripla, algo que me fez enxergar a passagem dos anos com um certo temor. Todos nós sabemos aquilo que no aguarda no final, mas pensar naquilo que o antecede é ainda mais doloroso para alguns. Sei que essa é uma visão muito particular, construída ao longo da minha vida, e que outros têm uma visão bem mais otimista sobre seus últimos anos de vida, mas algo é inegável: todos queremos terminar como nós mesmos.     Cada ser humano possui uma personalidade própria por causa dos passos que deu, dos momentos que viveu e das memórias que mantém consciente ou inconscientemente. O mal de Alzheimer é uma patologia