Os 7 de Chicago (2020)

 



OS 7 DE CHICAGO

Direção: Aaron Sorkin

Ano: 2020

País de origem: EUA/Reino Unido/Índia

    Texto escrito por Matheus C. Fontes

    Um dos processos jurídicos mais conhecidos da história dos Estados Unidos da América desenrolou-se no fim da década de 1960 e os acusados ficaram conhecidos como "Os 7 de Chicago". Eles foram acusados pelo crime federal de atravessar fronteiras estaduais com a intenção de incitar revolta. O contexto que levou ao desenrolar dos fatos é apresentado ao público na sequência inicial, onde a montagem utiliza montagens de arquivo para introduzir a política estadunidense durante a Guerra do Vietnã e toda a efervescência política surgida a partir desta. Com o recrutamento de uma quantidade de soldados cada vez maior para lutar uma guerra sem sentido, vários setores da população despertou a luta contra as iniciativas bélicas do governo.

    Um dos acontecimentos mais marcantes da época foi a realização de protestos em 1968 na cidade de Chicago, durante a Convenção do Partido Democrata. Com a prefeitura negando todas as licenças para que marchas fossem realizadas, os manifestantes ficaram limitados a um parque municipal. Após diversos momentos de tensão, a grande tragédia ocorreu: forças policiais e manifestantes enfrentaram-se, resultando em um grande número de feridos. Com a perseguição à esquerda, o governo do presidente Nixon acusou oito manifestantes de vários crimes federais, além de oito policiais por violação dos direitos civis.

    Aaron Sorkin, consagrado em Hollywood por seus roteiros, assume o trabalho de direção pela segunda vez em sua carreira para contar esta história. Sua escrita aqui mantém suas características marcantes, com reconstituições de acontecimentos históricos através de linhas de diálogos pensadas milimetricamente para soarem cadenciadamente e proporcionarem um ritmo estimulante à narrativa. 

    No entanto, Sorkin encara o obstáculo de trabalhar uma forma narrativa abordada inúmeras vezes na história do cinema: o drama de tribunal. A questão é que ele não tenta fugir disso, pelo contrário, após a sequência inicial, o espectador já é jogado no desenrolar jurídico, quando o Procurador Geral oferece o caso aos promotores que estarão à frente do caso. Lodo depois, já estamos no primeiro dia de julgamento.

    Embora o trabalho de montagem seja muito eficaz ao apresentar cada um dos líderes do protesto através da sequência inicial, não há um devido desenvolvimento a cada um deles, chegando ao ponto de quase não ouvirmos as vozes de alguns deles. Um único personagem consegue tocar o público por seu drama pessoal, John Dellinger, algo que ocorre em um único momento no desenrolar do processo, por causa de sua relação com o filho e a esposa. Os outros personagens são sustentados praticamente por seus momentos relacionados ao julgamento, em uma tentativa de conectar o espectador com o filme apenas por seu contexto político, esquecendo-se do constituinte humano em grande parte do tempo.

    Em contra partida, o elenco constitui o ponto alto do projeto, entregando algumas das melhores performances do ano. Uma decisão bastante inteligente do roteiro é a de não instituir um protagonista deixando quase todos terem seus momentos de destaque. Essa ideia de coletivo é muito bem trabalhada pelo diretor de fotografia Phedon Papamichael, que utiliza constantemente lentes grande angulares para enquadrar a maior quantidade de personagens na tela, mesmo em ambiente bem fechados.

    Mesmo com um trabalho de elenco tão homogêneo, alguns ganharam destaque aos meus olhos. Yahya Abdul-Mateen II protagoniza a cena mais pesada do longa e transforma seu personagem em um símbolo da luta contra o racismo, sendo o principal responsável por transportar a história para o contexto de 2020. Michael Keaton, embora apareça em apenas duas cenas, está impecável e consegue todos os holofotes para ele quando aparece na tela. Sacha Baron Cohen transforma as linhas de diálogo de Sorkin ao utilizar seu humor tão particular, conferindo uma assinatura pessoal a sua atuação. Mark Rylance encarna o ritmo do roteiro e consegue tornar um personagem tão burocrático em uma figura altamente humana.

    Com um trabalho de montagem muito eficaz ao inserir imagens de arquivo no meio das cenas de embate com a polícia, Sorkin conecta 2020 e 1968 e demonstra (mesmo que por coincidência, já que as filmagens ocorreram antes dos protestos do primeiro semestre deste ano) como nós não fomos capazes de evoluir como deveríamos e ainda encaramos tragédias sociais e políticas que deveriam ter ficado no passado. Mesmo com os problemas em desenvolver seus personagens, o filme chega em um momento tão significativo, que é impossível ficar impassível diante de seus comentários sobre nossa sociedade, a menos que você compactue com extremistas e fascistas, como Bolsonaro e Trump.

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