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Mostrando postagens de 2021

Matrix Resurrections

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MATRIX RESURRECTIONS Direção: Lana Wachowski Ano: 2021 Países de origem: EUA / Reino Unido / Austrália     Mais de 20 anos após o lançamento do primeiro filme da então trilogia Matrix , Lana Wachowski retorna, sem a irmã Lilly, para dirigir uma suposta sequência para um dos maiores fenômenos culturais da virada do século. Mas o que os fãs da franquia encontraram foi algo bem diferente do que a maioria esperava. Depois de afrontar diversas vezes a lógica de mercado que rege Hollywood, a diretora voltaria aos personagens que deixou anos atrás apenas para render mais dinheiro aos bolsos da Warner? Como admirador de seu trabalho, a resposta felizmente foi negativa.     Iniciando com um plano que, na verdade, é apenas um reflexo, o filme concomitantemente remete ao conceito original da Matrix e oferece o real propósito da arte para a diretora: um espelho da realidade, cujo controle está em suas mãos. Quem conhece um pouco de sua história pessoal sabe que as irmãs Wachowski perderam seus pai

Memoria

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MEMORIA Direção: Apichatpong Weerasethakul Ano: 2021 Países de origem: Colômbia / Tailândia / França / Alemanha / México / Catar / Reino Unido / China / Suíça      Lendo o texto da Cahiers du Cinéma sobre  Memoria , percebi que a protagonista recebe o mesmo nome da mulher zumbi em  I Walked with a Zombie  (1943). Duas personagens colocadas em terra estrangeira, deslocadas de um povo que é fruto da colonização. Assim como Jacques Tourneur, Apichatpong Weerasethakul é um cineasta cuja obra carrega fortes traços políticos, embora estes não fiquem tão evidentes à primeira vista. Mesmo que tais aspectos não se sobressaiam tanto aqui quanto nos trabalhos em sua terra natal, as conversas sobre a exploração da floresta amazônica e a presença dos militares como último marco antes de alcançarmos o verde da selva ressoam bastante.      Em seu primeiro longa fora da Tailândia, o diretor conserva traços autorais tanto na forma quanto em temática. O ritmo lento do budismo continua a pautar uma exper

Chicago International Film Festival 2021 - Parte #3

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WHAT DO WE SEE WHEN WE LOOK AT THE SKY? Direção: Aleksandre Koberidze Países de origem: Geórgia / Alemanha     O cinema georgiano recente vem produzindo obras cada vez mais empolgantes e dominando os festivais internacionais. Depois da estreante Déa Kulumbegashvili vencer a Concha de Ouro em San Sebastián ano passado, este ano é Aleksandre Koberidze que chama atenção da comunidade cinematográfica para seu país. É interessante notar que ambos realizadores possuem estilos completamente diferentes: enquanto a primeira mergulha num realismo mórbido permeado com alguns poucos momentos de exploração de metáforas, What Do We See When We Look at the Sky? é um abraço completo na fantasia, encontrando a magia no cotidiano de uma pequena cidade.     A câmera de Faraz Fesharaki está interessada em filmar tanto a geografia do local em planos abertos quanto os detalhes da interação humana entre si e com o meio. É esta dialética que rege a narrativa do filme, interligando constantemente a humanidade

Chicago International Film Festival 2021 - Parte #2

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GREAT FREEDOM Direção: Sebastian Meise Países de origem: Áustria / Alemanha      Great Freedom  tinha todos os fatores para ser mais um filme que explora a miséria humana de maneira propositalmente maniqueísta, mas Sebastian Meise consegue aliar seu resgate histórico com um estudo de personagem que é sentido quase como um estudo sociopolítico. A fuga dos clichês de produções semelhantes fica evidente na decisão de manter a mise-en-scène confinada ao espaço da prisão, uma escolha que explora o senso de confinamento ao qual homens homossexuais eram submetidos pela lei vigente, além de suprimir eventos históricos ao trauma causado posteriormente.      Para isto, Franz Rogowski concebe cada olhar e expressão corporal de Hans com imensa delicadeza, mesmo nas sequências mais físicas. O personagem não cai na maior parte dos problemas de dramas gays de época. Ele não nega sua sexualidade, nem mesmo tenta, por isso continua voltando ano após ano para as grades do sistema, o qual não cansa de ob

Chicago International Film Festival 2021 - Parte #1

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HIT THE ROAD Direção: Panah Panahi País de origem: Irã      A utilização do carro como cenário de grande parte de  Hit the Road  já evidencia as influências de Panah Panahi no cinema de seu país, em especial no trabalho de seu pai, de quem parece herdar algumas características autorais, embora seja capaz de encontrar um estilo próprio.      Na primeira metade do filme, existe um trabalho de criação constante de tensão, especialmente pelas informações que vão sendo reveladas aos poucos. Os personagens já estão no meio da estrada na cena inicial, fazendo com que o espectador não tenha qualquer ideia de onde eles saíram ou para onde estão indo. Aliado à suspeita de que estão sendo seguidos, isto faz com que duvidemos de quase tudo que está sendo apresentado (O pai está mesmo com a perna quebrada? Por que o irmão mais velho está tão calado?).      Os longos planos, que inicialmente criavam tensão, são convertidos num dispositivo para potencializar sentimentos na segunda metade. Ao optar po

7 Prisioneiros

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7 PRISIONEIROS Direção: Alexandre Moratto Ano: 2021 País de origem: Brasil     Os nomes de Fernando Meirelles e Ramin Bahrani como produtores executivos já são bons indícios de que tipo de filme é 7 Prisioneiros . Depois de estrear no Festival de Veneza, o projeto chegou a Toronto, onde o diretor Alexandre Moratto já havia apresentado seu longa-metragem de estreia Sócrates há poucos anos. Desta vez, ele volta a se reunir com sua estrela Christian Malheiros, o qual interpreta um jovem que sai de uma pequena cidade no interior para conseguir dinheiro em São Paulo e oferecer melhores condições de vida à família, mas acaba caindo num esquema de trabalho escravo contemporâneo.     A sequência inicial, com uma pequena duração, já é capaz de oferecer todas as informações que precisamos saber sobre o protagonista Mateus, construindo um senso de afeto por ele através da relação com sua família, que aparece apenas no início. Isto apenas reforça a capacidade do filme em introduzi-los de forma ef

Ahed's Knee

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AHED'S KNEE (Ha'berech) Direção: Nadav Lapid Ano: 2021 Países de origem: Israel / França / Alemanha     Embora eu não seja o maior admirador de Sinônimos (2019), longa anterior do israelense Nadav Lapid e vencedor do Urso de Ouro, é quase impossível negar a potência de sua visceralidade, mergulhada numa variação formal do cinema de fluxo e carregada pelas frustrações do diretor. Desde A Professora do Jardim de Infância (2014), ele parece ter se encontrado em narrativas cada vez mais pessoais, passando pela infância, juventude e, finalmente, a vida adulta. O que aparenta ser a conclusão de uma trilogia, Ahed's Knee é o maior feito de Lapid até hoje, seja pelo aperfeiçoamento das tendências formais que havia adotado anteriormente ou pela honestidade com a qual trata seus próprios traumas.     Se em seu último longa, o protagonista despiu-se completamente ao deixar Israel para tentar negar suas origens e tornar-se francês, aqui o personagem autobiográfico do autor já é um h

Arthur Rambo

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ARTHUR RAMBO Direção: Laurent Cantet Ano: 2021 País de origem: França     Por quase toda a carreira, o francês Laurent Cantet apresentou sua visão sobre as instituições de seu país. Ganhador da Palma de Ouro em 2008, Entre os Muros da Escola desconstruiu qualquer visão estereotipada do sistema de educação, alcançando um incrível nível de realismo através da utilização de atores não profissionais, ao mesmo tempo que carregava um afeto muito sincero por cada personagem e pintava um mural da diversidade racial e cultural na França. É dessa obra-prima que surge o ator principal do novo trabalho do diretor, cuja estreia mundial aconteceu no Festival de Toronto.     Karim (Rabah Nait Oufella) é a nova sensação da literatura francesa, tendo alcançado grande visibilidade com o livro no qual descreve a experiência de sua família de imigrantes argelinos, especialmente sua mãe, vivendo num lugar que não os aceita e sempre os colocou à margem. No entanto, uma antiga conta criada pelo protagonista

France

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FRANCE Direção: Bruno Dumont Ano: 2021 Países de origem: França / Alemanha / Itália / Bélgica     Se Zygmunt Bauman falava sobre sociedade líquida, é possível observamos hoje um processo de "virtualização" das nossa relações, cada vez mais dissolvidas em um código binário de 0 e 1 que parece muito mais real do que espaços físicos para tantos. O cinema, como um retrato de seu tempo, está cada vez mais buscando explorar essas ideias em suas narrativas, como os recentes Annette e Zeros and Ones . É interessante perceber como não são jovens diretores os que mais se destacam nesta exploração do contemporâneo, mas nomes já consagrados há décadas, cujo peso do tempo é essencial para sentir o verdadeiro absurdo do século XXI.     O francês Bruno Dumont junta-se a Carax e Ferrara como um dos autores que melhor explorou a temática em 2021. Desde a fotografia extremamente digital até os efeitos visuais propositalmente nada realistas, France nunca esconde sua encenação por trás de uma

Reflection

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REFLECTION Direção: Valentyn Vasyanovych Ano: 2021 País de origem: Ucrânia     Depois de ser premiado em 2019 por Atlantis , o diretor ucraniano Valentyn Vasyanovych retorna ao Festival de Veneza, desta vez na Competição Oficial. Reflection segue o cirurgião Serhiy (Roman Lutskyi) numa jornada pelas profundezas da crueldade e do vazio de nossas existências. Não é um fácil de ser assistido, causando reações muito parecidas com aquelas provocadas pelo trabalho de Gaspar Noé, embora formalmente sempre mantenha distância da ação. Ao mesmo tempo que fala sobre barreiras, nos faz testemunhar o lado mais sombrio do ser humano de forma passiva, o que causa um desconforto ainda maior.     Durante o primeiro ato, o diretor constrói uma mise-en-scène que remete diretamente a ideia construída por Hitchcock, em Janela Indiscreta , de que a tela do cinema é uma proteção do espectador em relação à diegese fílmica. Neste caso, as várias telas que permitem a estabilização de um plano dentro outro par

Piedra Noche (2021)

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PIEDRA NOCHE Direção: Iván Fund Ano: 2021 Países de origem: Argentina / Chile / Espanha     O cinema independente recente feito em nossos vizinhos sul-americanos possui muitas com a produção audiovisual brasileira, como a busca por realismo, ao mesmo tempo que tenta lidar com convenções de gênero. Dessa forma, encontra no fantástico um meio de abordar e superar traumas pessoais e sociais. Juliana Rojas e Marco Dutra fizeram justamente isso com o terror em seus últimos trabalhos, com grande destaque para Trabalhar Cansa (2011). E é esta a proposta do diretor Iván Fund em seu novo longa-metragem Piedra Noche , o qual integra mostra paralela do Festival de Veneza 2021.     Após seu filho desaparecer à noite na praia, Greta (Mara Bestelli) e Bruno (Marcelo Subiotto) precisam conviver com o luto e decidem vender a casa de praia. Enquanto ela tenta colocar novamente a vida nos trilhos e superar a dor da perda, o olhar do marido está sempre perdido no meio do mar, como se quisesse manter a e

Les Promesses (2021)

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LES PROMESSES Direção: Thomas Kruithof Ano: 2021 País de origem: França     Abrindo a sessão Orizzonti no primeiro dia do Festival de Veneza, Les Promesses é um thriller político que confronta ideais com ambição, jogando luz sobre a corrupção das instituições governamentais, ao mesmo tempo que ainda tenta encontrar a esperança no fim do túnel. Acompanhamos Clémence (Isabelle Huppert), prefeita de uma pequena cidade nos arredores de Paris, durante os últimos meses de seu segundo mandato. Mesmo que ela sempre tenha dito que não pretendia viver como uma parasita por anos no poder, a proposta de assumir um cargo de ministra mexe com suas convicções e a leva numa jornada cheia de questionamentos sobre suas convicções.     O mecanismo do roteiro (escrito por Jean-Baptiste Delafon e pelo diretor Thomas Kuithof) que move inicialmente a trama é Les Bernardins, um complexo residencial que abriga uma enorme quantidade de imigrantes. Quando a precariedade do edifício chega ao limite, os moradores

Fantasma Neon (2021)

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  FANTASMA NEON Direção: Leonardo Martinelli Ano: 2021 País de origem: Brasil     Com o encerramento do Festival de Locarno ontem, os vencedores foram anunciados e o brasileiro Fantasma Neon , de Leonardo Martinelli, foi o grande vencedor do Leopardo de Ouro entre os curtas-metragens internacionais da mostra Pardi di domani. O filme abre com depoimentos de entregadores de delivery sobre os abusos sofridos pelos trabalhadores da área, que acabaram sendo ainda mais prejudicados na pandemia. Exatamente no momento em que mais se tornaram necessários, também passaram a receber cada vez menos valor por seus serviços prestados. Quando transformaram-se em parte integrante da paisagem urbana, ficaram invisíveis aos olhos da sociedade.     O diretor opta por uma abordagem lúdica, assim como em seus trabalhos anteriores, para abordar uma temática delicada. Todo o curta constrói-se a partir desses paradoxos, confrontando a doçura do gênero musical com a realidade amarga daquelas pessoas. A própria

A Máquina Infernal (2021)

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  A MÁQUINA INFERNAL   Direção: Francis Vogner dos Reis   Ano: 2021   País de origem: Brasil     À parte daquilo que havia sido feito por José Mojica Marins, o Zé do Caixão, o Novíssimo Cinema Brasileiro tem explorado com frequência as possibilidades do terror dentro de suas discussões político-sociais. Juliana Rojas e Marco Dutra ganharam grande visibilidade no gênero durante a última década, com grande destaque para Trabalhar Cansa (2011), cujas temática e abordagem parecem ter tido grande influência sobre a estreia do mineiro Francis Vogner dos Reis, que apresentou o curta-metragem A Máquina Infernal na edição deste ano do Festival de Locarno.     Integrante da mostra Pardi di domani, o filme é descrito como o "apocalipse da classe operária". O diretor volta o olhar do espectador para o ABC paulista, a maior área industrial do Brasil, para trabalhar a ideia de uma condição de trabalho que definiu a era moderna, mas que permanece presente nas constantes opressões impostas

Zeros and Ones (2021)

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  ZEROS AND ONES   Direção: Abel Ferrara   Ano: 2021   País de origem: Alemanha / Reino Unido / EUA     No início da projeção de Zeros and Ones no Festival de Locarno, aparece um vídeo caseiro de Ethan Hawke, gravado antes do início das filmagens, no qual o ator fala sobre o quanto está empolgado para trabalhar com Abel Ferrara, cujos filmes recentes com Willem Dafoe tanto o inspiraram. Parece ser mais um dos vídeos de introdução que ficaram tão comuns nessa época de festivais online. Porém, ao final dos créditos, Hawke retorna, já depois de assistir ao corte que lhe foi enviado. Dessa vez, ele admite que, quando leu o roteiro, não fazia ideia do que estava acontecendo, uma sensação que a maior parte da público irá compartilhar inicialmente. Estas passagens não foram adicionadas apenas como uma saudação aos espectadores, são parte integrante do longa e podem dizer muito sobre a loucura que ocorre no meio delas.     Embora este novo trabalho de Ferrara possa aparentar ser bem menos pes

La Place d'une autre (2021)

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LA PLACE D'UNE AUTRE Direção: Aurélia Georges Ano: 2021 País de origem: França     Assistir a La Place d'une autre é como ler um clássico da literatura europeia, um mergulho na aristocracia do século XX atormentada pelos horrores da guerra. Uma história de ascensão social, mas não da maneira mais convencional: Nélie (Lyna Khoudri) cresceu filha de mãe solteira, sem qualquer grande oportunidade, e teve que trabalhar como prostituta nas ruas, sendo constantemente humilhada e jogada à podridão de uma Europa desolada. Quando junta-se à Cruz Vermelha, acaba encontrando uma jovem suíça (Maud Wyler) que perdeu a família e está indo encontrar uma amiga de seu pai (papel da estonteante Sabine Azéma), a qual poderia apresentá-la à sociedade francesa e oferecer um futuro abastado.     A diretora Aurélia Georges abraça tendências assumidamente clássicas, em especial no roteiro coescrito por Maud Ameline, algo que parece bem apropriado para a história que estão contando, sem recorrer a rev