#03 Mostra de São Paulo 2020

 



APENAS MORTAIS

Direção: Liu Ze

Ano: 2020

País de origem: China

    O envelhecimento sempre foi um tema muito complicado para mim, por causa do convivência com minha avó e minhas tias-avós, o que me coloca em uma posição complicada quando assisto filmes sobre o tema. Apenas Mortais é o segundo filme chinês que vejo esse ano e que também aborda a a passagem do tempo, embora de maneira bem diferente (o outro foi Slow Singing, que tem crítica aqui no Cine Odisseia).

    Xian Tian acaba seu relacionamento com um homem casado e precisa voltar a sua cidade natal para ajudar a mãe a cuidar de seu pai com Alzheimer, que vem piorando progressivamente. O controle narrativo que o diretor Liu Ze apresenta é fascinante, principalmente considerando que é o seu trabalho de estreia. Em vez de construir uma narrativa apenas em torno do Alzheimer e acabar caindo em um (melo)drama comum, ele opta por explorar o tempo e sua ação na vida daquela família.

    Nesse sentido, o uso de planos-sequência é muito bem pensado, pois a falta de cortes constantes confere o peso da passagem real do tempo, além de maravilhar o espectador pelos feitos alcançados por toda a equipe técnica ao coordenar planos muito difíceis. Inclusive, em uma das cenas mais geniais do longa, há uma elipse sem corte. O tempo vai e volta em um mesmo plano-sequência que expõe as marcas como a protagonista e seu novo namorado cresceram e mudaram, em uma linguagem poética sobre a vida e sua urgência em nos fazer adultos. Assim, a infância permanece em nossos memórias como um borrão que nos marca para toda a vida.

    A construção do drama familiar também é muito bem feita, extraindo fortes emoções do espectador ao mostrar, de forma respeitosa, a realidade de uma pessoa com Alzheimer e as dificuldades enfrentadas pela família. É admirável a sensibilidade em retratar a relutância da mãe em deixar a filha ajudar a tomar conta do pai, pois isto representa tanto a incapacidade dela em cuidar do marido quanto o fim da intimidade restrita do casal. Quando o pai chora no momento em que a filha vai dar banho nele pela primeira vez, é impossível não sentir todo o peso do que aquilo representa, principalmente a perda de sua intimidade pessoal quanto uma inversão de papéis entre pai e filha.

    Com um elenco homogêneo na excelência de suas atuações, Apenas Mortais é uma experiência pra fazer o espectador sentir a passagem do tempo na vida daquela família: o envelhecimento dos pais, mas também da filha. Ela está crescendo constantemente (assim como cada um de nós). O último plano do filme, um dos mais fortes do ano, mostra que o tempo não para nunca e, enquanto escrevo esse texto, ele está correndo atrás de mim e me levando a meu fim, só não sei quando será, mas ele me alcançará.




LIMIAR

Direção: Rouzbeh Akhbari & Felix Kalmenson

Ano: 2020

País de origem: Canadá/Armênia/Turquia

    Abrindo com a Ave Maria cantada em latim, os diretores imergem o público em uma aura poética e contemplativa, enquanto acompanhamos o protagonista andando por cenários belíssimos. Ele é um jovem cineasta armênio que está buscando locações em seu país para rodar seu próximo filme, enquanto interage constantemente com diferentes pessoas pelo caminho, pegando caronas com estranhos pelas frias estradas da Armênia.

    Embora apresente um senso estético admirável, com enquadramentos que evocam a essência transcendental da jornada do protagonista, o projeto se torna uma experiência cansativa por não conseguir uma ligação efetiva com o público. Fica claro que há uma lógica por trás dos locais que o personagem visita, mas esta só será compreendida por aqueles que conhecem a fundo a história do país. Para quem não conhece, o filme se transforma em uma sequência aleatória de belos planos sem nenhuma linha narrativa definida. Enquanto o protagonista procura locações para seu próximo filme, os diretores de Limiar não conseguem encontrar a própria voz, perdendo-se na tentativa de emular um proposta poética e experimental.



Texto escrito por Matheus C. Fontes como parte da cobertura da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

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