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Mostrando postagens de setembro, 2020

Wu Hai (2020)

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  WU HAI Direção: Zhou Ziyang Ano: 2020 País de origem: China     Texto escrito por Matheus C. Fontes     Eu já escrevi outras vezes que o Cinema tem a propriedade de transformar histórias tão particulares em contos universais, atingindo (de diferentes formas) espectadores nos quatro cantos do mundo. No entanto, é importante perceber como pessoas inseridas em certas culturas e realidades percebem e interpretam filmes de maneiras muito particulares. Bacurau (2019)  é um exemplo recente, pois tenho certeza que, embora cidadãos de outros países tenham notado as críticas ao colonialismo, eles não conseguem sentir a dimensão do filme, com todos os seus simbolismos e referências, da mesma maneira que um brasileiro.     Aqui, sinto que há um outro exemplo dessa situação. O chinês Zhou Ziyang realiza seu segundo trabalho em longas-metragens com Wu Hai , que teve sua estreia mundial nesta última semana, durante a edição anual do Festival de San Sebastián. Um espectador de fora da China (como eu

The Woman Who Ran (2020)

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  THE WOMAN WHO RAN Direção: Hong Sang-soo Ano: 2020 País de origem: Coreia do Sul     Texto escrito por Matheus C. Fontes     O cinema coreano é, sem dúvidas, um dos mais celebrados das últimas duas décadas ao redor do mundo, com o movimento chamado "nova onda sul-coreana", iniciado no fim dos anos 1990 e com seu auge marcado pelas vitórias de  Parasita (2019)  na última cerimônia do Oscar. Cineastas foram internacionalmente conhecidos e aclamados, produzindo filmes com temáticas e abordagens bastante distintas. Um deles é Hong Sang-soo, cujos trabalhos têm repercussões bem diferentes entre público e crítica.     Apostando mais uma vez no minimalismo de seu texto, das atuações e das propostas de sua direção, o realizador sul-coreano apresenta, no Festival de San Sebastián (depois da passagem por outros festivais), seu mais novo projeto, intitulado The Woman Who Ran . Nele, a protagonista aproveita uma viagem do marido para visitar três de suas amigas, utilizando os famosos d

Los Conductos (2020)

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  LOS CONDUCTOS Direção: Camilo Restrepo Ano: 2020 País de origem: França / Colômbia / Brasil     Texto escrito por Matheus C. Fontes     Grande parte do que eu sei de Cinema hoje veio dos escritos dos teóricos e historiadores de Cinema David Bordwell e Kristin Thompson. Para eles, todo elemento colocado em um filme para apreciação do público deve ter uma função para a construção narrativa proposta pelos realizadores. A fotografia, a montagem, a direção de arte, o design de som e qualquer outro fator deve servir a uma determinada proposta. É um conceito que pode ser refutado por outros pensadores, mas é o que determina meu ponto de vista na maior parte das vezes em que escrevo uma crítica. No entanto, este filme colocou minhas ideias à prova.     Estreando na direção de longas-metragens depois de uma série de curtas na última década, o diretor e roteirista colombiano Camilo Restrepo chega ao Festival de San Sebastián deste ano com Los Conductos , que já passou por outros festivais, com

Quo Vadis, Aida? (2020)

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  QUO VADIS, AIDA? Direção: Jasmila Zbanic Ano: 2020 País de origem: Bósnia e Herzegovina     Texto escrito por Matheus C. Fontes     Filmes de guerra sempre estiveram presente no Cinema mundial ao longo das décadas, em diferentes contextos. Os Estados Unidos, por exemplo, usaram grande parte das produções sobre a Segunda Guerra Mundial para exaltarem sua força e seu exército. Com a Guerra do Vietnã, o contexto mudou completamente; muitos dos que trabalhavam com cinema foram para a guerra ou conheciam alguém que tinha ido, tornando a narrativa muito mais próxima do horror que os soldados (dos dois lados) enfrentaram. Isto acabou originando alguns dos melhores filmes que eu já assisti, como Apocalypse Now (1979) , e tornou-se um contraponto à visão da guerra que havia nas produções anteriores - com algumas exceções, como Glória feita de Sangue (1957) .     No entanto, essa grande quantidade de filmes de guerra acabou originando vários clichês que empobrecem o gênero, como a impessoalida

Slow Singing (2020)

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  SLOW SINGING Direção: Xingyi Dong Ano: 2020 País de origem: China     Texto escrito por Matheus C. Fontes          O diretor soviético Andrei Tarkovski pautou sua obra na teoria cinematográfica de "esculpir o tempo", modulando a percepção humana de tempo na tela do cinema, utilizando planos longos poucos cortes para conferir a ideia de "passar o tempo" e construir a relação entre um momento e outro. Sem dúvidas, Tarkovski é um dos diretores mais influentes da história da Sétima Arte e sua herança pode ser sentido no diretor chinês Xingyi Dong.  Entregando seu primeiro trabalho à frente de longas-metragens, Dong apresenta Slow Singing , a história de um homem que acaba de sair da prisão, onde esteve por aproximadamente 20 anos, e está voltando para seu vilarejo.     Abrindo com um brilhante plano-sequência, somos apresentados a vários elementos da narrativa. O primeiro deles é o ritmo lento com longos planos que permeia toda a duração do filme, sendo o principal el

Passion Simple (2020)

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  PASSION SIMPLE Direção: Danielle Arbid Ano: 2020 País de origem: França / Bélgica     Texto escrito por Matheus C. Fontes     Há alguns anos, a trilogia Cinquenta Tons de Cinza  foi adaptada para o cinema, resultando em alguns dos piores filmes da última década. Naquela história de um relacionamento complicado e cheio de abusos, a obsessão sexual era tratada de forma erótica, fantasiando várias questões de abuso mental e construindo cenas de sexo que tinham o único objetivo de exaltar o lado erótico da relação, atraindo bilheteria de quem esperava um (quase) pornô.      Em Passion Simple , novo filme da diretora francesa Danielle Arbid, a relação entre os personagens centrais é tratada de uma forma totalmente diferente. Adaptando o livro homônimo escrito por Annie Ernaux, o filme apresenta Hélène, uma professora universitária, que está tendo um caso com Alexandre, um diplomata russo casado, com quem não possui nada em comum. Ela encontra-se perdidamente obcecada pelo homem e acaba pe

No Ordinary Man (2020)

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  NO ORDINARY MAN Direção: Aisling Chin-Yee, Chase Joynt Ano: 2020 País de origem: Canadá     Texto escrito por Matheus C. Fontes     Em meu último texto da cobertura do Festival de Toronto, sobre o francês  A Good Man (2020) , ressaltei que esse era mais um caso de transface, onde uma equipe de pessoas cis tenta contar a história de um homem trans, em uma abordagem que busca constantemente mostrar as barreiras que a sociedade coloca em seu caminho, mas acaba entregando um filme sem vida. Talvez porque, assim como eu, eles não conhecem aquela realidade. É exatamente o oposto do que acontece aqui.     Os diretores Aisling Chin-Yee e Chase Joynt estreiam seu novo documentário No Ordinary Man , sobre a história do músico americano de jazz Billy Tipton, que fez um relativo sucesso durante as décadas de 1940 e 1950. No entanto, com sua morte veio a revelação de que ele era um homem transexual, uma notícia que era novidade até para a própria família. Esta, inclusive, teve que passar por um i

A Good Man (2020)

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  A GOOD MAN Direção: Marie-Castille Mention-Schaar Ano: 2020 País de origem: França     Texto escrito por Matheus C. Fontes     Recentemente, escrevi um breve texto sobre o curta-metragem brasileiro Carne (2019)  e ressaltei minha dificuldade em abordar uma obra sobre o corpo feminino, por não ter conhecimento da experiência de (sobre)viver como mulher na nossa sociedade. Aqui, me encontro diante da mesma problemática, mas muito mais potencializada, já que sou um homem cis, privilegiado diante das diversas barreiras colocadas para as minorias.     A diretora francesa Marie-Castille Mention-Schaar insere o espectador na vida de Benjamin, visto pela primeira vez de costas prestes a mergulhar no mar, assim como estamos prestes a mergulhar em sua realidade e encarar uma difícil jornada. Ele é um homem transexual que vive com sua esposa Aude em uma ilha isolada, para onde foram com o objetivo de recomeçar suas vidas sem que ninguém soubesse da transição de gênero do protagonista. Mas as co

Entre Mortes (2020)

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ENTRE MORTES Direção: Hilal Baydarov Ano: 2020 País de origem: Azerbaijão/México/EUA Título original: Sepelenmis Ölümler Arasinda     Texto escrito por Matheus C. Fontes     Embora muitos encarem o Cinema hoje apenas como entretenimento, ele possui a capacidade de ser muito mais quando está nas mãos de bons realizadores. Terrence Malick usa seus filmes para construir sua própria obra de filosofia, construindo e desconstruindo conceitos sobre vida, fé e condição humana. Werner Herzog, através de seus trabalhos, discute a respeito da força e da inevitabilidade da Natureza sobre a Humanidade. Andrei Tarkovsky escreveu e dirigiu filmes que sustentavam sua teoria de "esculpir o tempo", transmitindo e alterando a perspectiva humana de tempo. O Cinema pode ser entretenimento, mas é muito mais aos olhos de quem o enxerga como Arte.     E é exatamente assim que o diretor azerbaijano Hilal Baydarov enxerga-o neste seu último trabalho In Between Dying , que teve sua estreia mundial este

Beans (2020)

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  BEANS Direção: Tracey Deer Ano: 2020 País de origem: Canadá     Texto escrito por Matheus C. Fontes     11 de julho de 1990. Esta foi a data que marcou o início da chamada Crise Oka, uma disputa por terras deflagrada por uma decisão judicial autorizando a construção de um campo de golfe em território indígena. As Primeiras Nações, representadas no local pelo povo Mohawk, ergueram uma barricada bloqueando o acesso à área. Na fatídica data, a força policial de Quebec (Canadá) foi chamada para intervir no protesto, resultando em um cerco de 78 dias, marcado por uma grande tensão armada entre os lados e por atos violentos contra os povos indígenas na região. A crise tornou-se o primeiro conflito violento entre as Primeiras Nações e o governo canadense no fim do século XX que contou com grande repercussão na mídia.     É neste contexto histórico-político que o filme Beans  insere o espectador para acompanhar, ao mesmo tempo, um coming of age da protagonista (que nomeia o projeto), uma men

Akilla's Escape (2020)

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AKILLA'S ESCAPE Direção: Charles Officer Ano: 2020 País de origem: Canadá/EUA     Texto escrito por Matheus C. Fontes     Ao som da ótima ' Punky Reggae Party ' de Bob Marley, a projeção começa mostrando ao espectador várias imagens de arquivo com o propósito de situá-lo no contexto histórico da Jamaica, país este que está presente em cada segundo do filme, embora nunca apareça diretamente. Além disso, o ator principal é apresentado ao público dançando, com seu corpo livre. A liberdade que ele tanto almeja.     O jamaicano-canadense Charles Officer dirige seu mais novo trabalho Akilla's Escape , que estreou no Festival de Toronto neste último fim de semana. O filme apresenta a história de Akilla Brown, um traficante de maconha que acaba no meio de um assalto durante uma negociação e tenta resgatar um jovem desse mundo do crime. Durante apenas uma noite, toda ação se desenrola, ao mesmo tempo em que acompanhamos flashbacks da juventude de Akilla, marcado por vários traum

Still Processing (2020)

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STILL PROCESSING Direção: Sophy Romvari Ano: 2020 País de origem: Canadá      Texto escrito por Matheus C. Fontes     "Há algumas coisas que não podem ser ditas em voz alta." Eu sou uma pessoa que tenho muitos problemas em expressar sentimentos. Às vezes, a vida nos leva por caminhos que fazem com que tenhamos medo de olhar pelo retrovisor e enxergar o passado, principalmente momentos tristes. No entanto, até mesmo lembranças felizes são deixadas para trás por medo de que possam despertar nossos piores traumas.      A cineasta canadense Sophy Romvari recebe, de seus pais, caixas cheias de fotos de quando ela e seus irmãos eram crianças. Fotos que foram guardadas por seus progenitores durante alguns anos sem que ninguém as olhasse. O motivo é a dor, o trauma: dois irmãos de Romvari faleceram e deixaram uma ferida aberta nos corações dos familiares, agora impossibilitados de revisitar o passado, com medo dos sentimentos que as memórias possam despertar. Esse curta-metragem é um

O Diabo de Cada Dia (2020)

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O DIABO DE CADA DIA Direção: Antonio Campos Ano: 2020 País de origem: Estados Unidos      Texto escrito por Matheus C. Fontes     Desde que o Cinema começou a contar histórias no início do século XX, muitos cineastas recorreram a livros para adaptá-los para a tela. A própria Bíblia serviu (e ainda serve) como base para diversas produções ao longo das décadas. Uma parte do público pode pensar que é muito mais simples realizar uma adaptação do que escrever um argumento original, mas a verdade é que cada situação possui suas dificuldades particulares. A linguagem da Literatura é completamente diferente do Cinema, o que torna essa transição da folha para a tela um desafio enorme. Às vezes, o resultado é um sucesso, outras (como neste caso), um trabalho cheio de problemas.     O Diabo de Cada Dia , novo projeto do diretor norte-americano Antonio Campos, com produção de Jake Gyllenhaal, é a adaptação cinematográfica do livro de mesmo nome, do escritor Donald Ray Pollock - que também assina o

Selfie (2019)

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 SELFIE Direção: Agostino Ferrente Ano: 2019 País de origem: França/Itália      Texto escrito por Matheus C. Fontes     Considero o Cinema como a forma de arte mais complexa exatamente por ser capaz de englobar outras expressões artísticas: música, literatura, arquitetura, pintura, além de possuir uma linguagem própria com recursos bem particulares. O documentário sempre foi bem mais propenso a experimentar do que os filmes com narrativas ficcionais. Eduardo Coutinho foi um mestre deste modelo de Cinema que está em constante evolução, oferecendo ao público experiências memoráveis, como em "Jogo de Cena" (2007), onde ele colocou à prova o ato de atuar e a própria montagem cinematográfica.     No documentário Selfie (2019), o diretor italiano Agostino Ferrente brinca mais uma vez com o gênero ao entregar o controle das gravações a dois garotos de 16 anos, moradores do subúrbio de Nápoles, na Itália. Alessandro Antonelli e Pietro Orlando são encarregados de filmar com seus celul