The Human Voice (2020)

 



THE HUMAN VOICE

Direção: Pedro Almodóvar

Ano: 2020

País de origem: Espanha

    Texto escrito por Matheus C. Fontes

    A linguagem de um curta-metragem possui suas peculiaridades, já que precisa desenvolver uma narrativa em um espaço de tempo muito mais limitado do que um longa-metragem. Por isso, não é comum que diretores consagrados consigam destaque ao se aventurarem por esse formato, geralmente dominado por realizadores estreantes. Não é tarefa fácil utilizar um estilo desenvolvido por anos em longas em um curta, o que torna admirável o feito alcançado por Pedro Almodóvar aqui.

    Adaptando uma peça homônima de um ato de Jean Cocteau, o diretor une-se à consagrada atriz Tilda Swinton em seu primeiro trabalho falado em inglês. The Human Voice traz uma personagem não nomeada que espera ansiosamente uma ligação ou uma visita do homem amado, permanecendo em casa durante quase todo o filme, espelhando nossa atual situação durante a pandemia.

    O senso estético de Almodóvar já salta aos olhos do público no primeiro plano, onde a protagonista exibe um memorável vestido vermelho enquanto caminha dentro de um galpão, que será o palco da história. As cores vivas são apresentadas pela direção de arte em todos os momentos, inclusive durante os créditos iniciais, que utilizam materiais de construção como letras, conferindo uma coesão narrativa, já que a cena seguinte acontece dentro de uma loja de materiais de construção.

    A Pele Que Habito, um de meus longas favoritos do cineasta, é evocado em alguns detalhes deste seu novo trabalho. Uma roupa preta, pertencente ao amante da protagonista, é utilizada para evocar a figura deste homem, que nunca vemos na tela durante a projeção. Com isso, é interessante notar como a personagem usa este mesmo figurino logo antes dos créditos iniciais, como se fosse uma segunda pele, que a envolve e conforta sua solidão. Da mesma forma, o filme de 2011 é referenciado através de uma obra de arte colocada sobre a cama da protagonista, a mesma que havia sido utilizada no trabalho citado.

    A direção de arte, assim como em toda a filmografia de Almodóvar, possui características muito fortes e próprias, como as cores saturadas, principalmente o vermelho, que possui uma ligação com o desfecho da obra. A construção visual da casa da personagem é estonteante, mas não possui uma função apenas estética, sendo utilizada para metaforizar a excentricidade e loucura crescente da protagonista. Importante perceber a atenção com os detalhes, que ajudam a construir sua personalidade, como a introdução de livros de Truman Capote e DVDs de filmes como Trama Fantasma, Jackie, Kill Bill e Assunto de Família. Todas estas quatro obras cinematográficas trazem figuras que, em menor ou maior grau, podem denotar loucura, refletindo a natureza central da narrativa. Os figurinos também representam um grande destaque, estabelecendo o curta como uma incrível experiência sensorial. 

    Uma outra película citada direta e indiretamente ao longo da projeção é Um Corpo Que Cai, de Alfred Hitchcock. Durante a ligação telefônica com o amante, a protagonista compara a atração da Judy/Madeleine pela "espiral" à atração que ela sente por facas e o desejo de enfiá-las no peito do amado. Esta referência torna-se ainda mais significativa quando você percebe que previamente Almodóvar havia utilizado o dolly zoom, a técnica que marcou o clássico de Hitchcock, em uma cena onde Tilda Swinton está na sacada da casa olhando para o galpão, como se estivesse sendo atraída para fora daquela prisão (ao amante) representada pelo domicílio, ao mesmo tempo em que pode representar o enlouquecimento da personagem.

    A grande estrela do filme é mesmo a atriz Tilda Swinton, onipresente ao longo dos 30 minutos de projeção. Já conhecida por interpretar personagens excêntricas, ela consegue brilhar mais uma vez ao encarnar todo o atordoamento da protagonista, sufocada em um relacionamento quase unilateral, com vício no uso de medicações e isolada em casa com o cachorro do amante. Com a base teatral da obra base, ela entrega as linhas de roteiro com maestria, transparecendo um paradoxo de naturalidade e excentricidade.

    Em um desfecho espetacular, Almodóvar exorciza sua protagonista, levando sua prisão emocional e física às cinzas. As chamas são utilizadas como a exteriorização do estado mental dela, como a mesma diz para o amante na ligação: "eu estava queimando". O rosto chamuscado do cachorro mostra que esse processo de libertação deixou marcas em sua vida, mas agora ela está no controle e encerra dizendo ao animal de estimação: "eu sou a mestra, você terá que se acostumar..."

FESTIVAL DE CINEMA DE LONDRES 2020   


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