#07 Mostra de São Paulo 2020



DIAS

Direção: Tsai Ming-liang

Ano: 2020

País de origem: Coreia do Sul

    Dias é uma experiência audiovisual sobre a qual eu pouco sabia quando dei o play. O único fato do qual eu muito ouvi falar era a lentidão da narrativa, característica constante na filmografia de Tsai Ming-liang. Minha primeira surpresa veio logo nos créditos iniciais: o filme seria exibido propositalmente sem legenda. Como eu entenderia o coreano que estava para sair das bocas dos personagens?

    O primeiro plano do filme já expõe o tom dos 127 minutos de duração. O ator Lee Kang-sheng está sentado atrás da janela de vidro de sua casa enquanto está chovendo do lado de fora. A cena, sem qualquer corte, parece durar uma eternidade e Kang permanece imóvel e mudo. Esta é a essência de Dias: planos muito longos (li que eram apenas 46 no total) nos quais parece que nada acontece. Na verdade, o diretor confere uma melancolia devastadora ao mostrar o cotidiano dos protagonistas.

    Preciso admitir que cheguei a chamar o cineasta de pretensioso quando alcancei a marca dos 45 minutos de projeção. Era evidente o propósito dele com aquela abordagem, mas era necessário alongar tanto aquelas cenas? A resposta positiva veio na segunda metade do longa, quando o encontro entre Kang e Non (Anong Houngheuangsy) finalmente acontece. O espectador precisava estar cansado depois de mais de 1 hora sem "nada" acontecer, assim como os personagens estão cansados de seu dia-a-dia, para que a magia daquela cena no quarto de hotel se concretizasse e fosse devidamente sentida. Interessante como o realizador não faz questão de mudar o ritmo, que permanece lento, pois a força presente ali não poderia ser conferida por palavras ou por uma montagem mais acelerada. Ela está apenas no contato entre os dois corpos.

    A subjetividade de minha experiência com Dias foi ainda maior por causa de uma mera coincidência. Estou com uma dor muscular na cervical há dias, o que está me incomodando bastante. Da mesma forma, Kang é um homem que vive seus dias com uma dor que não alivia de forma alguma, mesmo com a utilização de técnicas da medicina oriental. Quando a cena do quarto de hotel finalmente acontece, fui capaz de sentir o alívio do personagem. Sua dor cessou (ou, pelo menos, foi momentaneamente esquecida) e ele conseguiu sentir prazer na vida.

    A mixagem de som é muito bem utilizada pelo diretor para representar a opressão do meio sobre aqueles indivíduos. Seja o som da chuva ou o barulho do trânsito, não conseguimos ouvir as vozes dos personagens. É verdade que os diálogos são raros durante a obra, mas talvez eles já tenham perdido a capacidade de se comunicar verbalmente diante de um mundo que tanto os oprime. É no silêncio de um quarto de hotel que eles finalmente conseguem se expressar e fazer o público sentir algo verdadeiro. Os momentos que sucedem essa cena foram capazes de me destruir. O vazio do quarto. O barulho dos veículos que aparecem em primeiro plano e jogam os protagonistas para o fundo da tela. No entanto, no meio do caos que o mundo inflige, Tsai Ming-liang é capaz de conferir humanidade através de uma simples caixinha de música.
 


Texto escrito por Matheus C. Fontes como parte da cobertura da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

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