#04 Mostra de São Paulo 2020

 



GÊNERO, PAN

Direção: Lav Diaz

Ano: 2020

País de origem: Filipinas

    Conhecido, entre outras coisas, por seus filmes de longa duração, Lav Diaz volta com seu novo trabalho, Gênero, Pan. Com uma minutagem menor do que o usual, o diretor relativiza a condição do ser humano como animal racional, contestando as teorias que nos diferem dos demais animais. Premiado na Sessão Horizonte do Festival de Veneza mês passado, o projeto apresenta um voice-over em certo momento que serve como chave para o espectador entender a temática abordada, embora esta poderia ter sido compreendida sem a utilização de um recurso tão expositivo e sem sutileza.

    Três trabalhadores de mineração regressam para a ilha onde suas famílias moram após uma temporada de trabalho que durou alguns meses. No primeiro ato, entendemos um pouco da relação entre eles e com o seu trabalho, mostrando como o sistema sempre está contra os mais e pobres. O protagonista Andres precisa economizar dinheiro para pagar o tratamento de sua irmã, mas as extorsões constantes, vindas de todos os lados, o impossibilitam de alcançar seu objetivo. Todo esse caos social ainda está aliado a mortes misteriosas, que poderiam ter partido de alguém na ilha ou de algum dos muitos mitos espalhados pelos habitantes da região.

    A fotografia é responsável por unir aquelas pessoas à natureza ao seu redor, já que os tons de cinza muitas vezes dificultam a diferenciação entre os elementos da mise-en-scène, criando uma fusão visual e metafórica. A viagem dos três personagens principais pela floresta não é sem propósito, pois a natureza desperta o lado mais primitivo desses homens. Uma escala gradual de loucura toma cada um deles e culmina em um trágico final. O apelo constante de Paulo para que eles "usem a cabeça, não suas emoções" não foi suficiente, tanto que nem ele conseguiu seguir a própria prece.

    Há também uma crítica às religiões, trabalhada durante todo o filme. Assim como outros focos deste trabalho de Diaz, não há qualquer sutileza do roteiro ao fazer isto. Baldo chama o colega de "Santo Paulo", este protagoniza uma das cenas mais hilárias do longa ao pedir que os amigos rezem com ele antes da refeição, além de uma maravilhosa passagem no terço final onde a música é utilizada de maneira muito forte, aflorando sentimentos profundos de Andres. O último plano mostra como a humanidade ainda está longe de alcançar um status merecido de animal racional, colocando um certo personagem, que representa toda a condição animalesca do homem, em caminhada em direção ao público. Ao atravessar para o fora de campo, ele demonstra que está dentro de cada um de nós.





AO ENTARDECER

Direção: Sharunas Bartas

Ano: 2019

País de origem: Lituânia/França/República Tcheca/Sérvia/Portugal/Letônia

    Mergulhando na vida dos cidadãos da Lituânia durante a ocupação da União Soviética no país, Sharunas Bartas volta ao circuito de festivais com um trabalho mais sólido do que seus últimos. Um dos mestres da onda do cinema de ritmo mais lento na década de 1990, o diretor teve seu mais novo projeto Ao Entardecer selecionado para Cannes no começo do ano e agora chega ao Brasil através da Mostra de São Paulo.

    Contando a história de uma família que morava em uma fazenda na Lituânia, Bartas mostra a barbárie que resultou da presença dos soviéticos naquele território, mas também contrapõe esse ponto de vista, que poderia se tornar maniqueísta. Para isso, ele expõe os problemas que surgiram de dentro do próprio movimento de resistência, representado por um pequeno grupo, sem qualquer estrutura bélica para combater os adversários e que colocavam sua esperança principalmente nos Estados Unidos. No entanto, a nação que era modelo para eles não estava dando a menor importância para a condição de vida e sobrevivência daquelas pessoas.

    Com subtramas desnecessárias, o filme acaba perdendo a força que havia surgido da família protagonista na primeira metade de projeção, caindo em uma narrativa sem foco. O ritmo lento, embora tenha certa função narrativa  ao representar a melancolia e opressão daquela realidade, impossibilita que exista uma conexão eficaz entre os personagens e o público, Mas, apesar de todos os seus problemas, Ao Entardecer ainda é um atestado importante do horror que foi a ocupação soviética na Lituânia.



Texto escrito por Matheus C. Fontes como parte da cobertura da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

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