Lovers Rock (2020)

 



LOVERS ROCK

Direção: Steve McQueen

Ano: 2020

País de origem: Reino Unido

    Texto escrito por Matheus Costa

    Eu não sou a pessoa mais apaixonada por festas. Gosto de ficar em casa, no meu quarto, assistindo um filme ou uma série. Esta é a minha diversão, mas com as companhias certas, sair para comer/beber algo ou dançar pode se tornar uma experiência incrível e às vezes memorável, tornando-se uma história para ser contada diversas vezes, por diferentes motivos. Em 2020, um ano em que o calor humano faz tanta falta a todos, uma festa é o desejo de grande parcela da população mundial (me incluo aqui) e uma pista de dança nunca fez tanta falta. Nesse contexto tão indesejável, Lovers Rock desperta sentimentos tão complexos que é difícil escrever objetivamente sobre ele.

    Assim como Mangrove, que abriu o Festival de Londres, este também integra o projeto Small Axe comandado por Steve McQueen que busca retratar a vida da comunidade negra na Londres do século XX. Fugindo dos padrões narrativos da indústria cinematográfica atual, o diretor decide transformar uma festa no personagem principal de sua história. As pessoas presentes ali são apenas parte do que está sendo contado, ao mesmo tempo que aquele evento é apenas uma parte da realidade enfrentada por eles. O objetivo de McQueen é exatamente mostrar aquele espaço como um refúgio para o mundo que oprime e subjuga constantemente aqueles indivíduos.

    A atmosfera é um dos maiores trunfos do longa, e ela começa a ser construída aos poucos, nos pequenos detalhes. Três mulheres cozinham enquanto cantam uma música. Alguns homens carregam a mobília para a área externa, depois trazem caixas de som para dentro. A preparação que antecede qualquer festa e que faz parte de sua magia. Da mesma forma, a direção é sensível ao decidir exibir, por exemplo, o momento em que a aniversariante Cynthia (Ellis George) escolhe, junto com sua amiga, a roupa que irá vestir mais tarde, um momento tão verdadeiro que torna aquilo ainda mais real, proporcionando uma conexão profunda com o espectador.

    Embora predomine a decisão de não manter a narrativa girando em torno de apenas um personagem, o filme precisava de alguém para centrar seu foco. E esta é Martha (Amarah-Jae St. Aubyn), a jovem que protagoniza a primeira cena, na qual a vemos fugir de casa pela janela de seu quarto com o objetivo de ir para a festa. No caminho, ela encontra sua melhor amiga Patti (Shaniqua Okwok). Ambas pegam o ônibus em direção à casa que hospeda a maior parte da obra. Lá Martha conhece Franklyn (Micheal Ward), com quem se envolve e forma o casal de amantes que nomeia o longa (o título é também uma referência a um subgênero do reggae).

    Repleto de personagens marcantes, McQueen não sente a necessidade de encher as bocas deles de diálogos complexos ou expositivos para estabelecer a personalidade de cada um em tão pouco tempo de tela. Ele vai no sentido contrário, apresentando a persona de cada um em suas sutilezas. Nós conhecemos aquelas pessoas pelo que elas são naquele lugar, naquele momento e naquelas circunstâncias. Não há um estudo detalhado de ninguém ali porque o objetivo da produção não é esse. A equipe está mais interessada em demonstrar a efervescência cultural daquele período, assim como a força e vitalidade da juventude negra, pela qual o diretor demonstra tanto carinho, principalmente considerando que é a época na qual ele cresceu.

    Há um cuidado estético muito importante aqui. Mesmo o local estando vazio pela ocasião, o design de produção concebe a casa com muito afeto, como se reconstruísse o local a partir das memórias de alguém. Os figurinos demonstram uma ótima reconstrução de época, ao mesmo tempo que transparecem a cultura daquele povo. O diretor de fotografia Shabier Kircher utiliza tons quentes dentro da casa que contrastam com a escuridão da noite no lado de fora, resultando em um efeito simbólico bastante significativo e funcional.

    A câmera é um show a parte, movendo-se pela pista de dança com maestria e delicadeza, transformando o filme em uma incrível experiência sensorial com o auxílio da equipe de som. Em certo momento, uma música mais lenta começa a tocar e uma simples decisão expõe toda a paixão entre as pessoas naquele momento: a direção enquadra as mãos e os braços de quem está dançando. O simples toque entre eles causa uma explosão de sentimentos em quem assiste. Em outra sequência, a mixagem de som mistura a sirene de um carro policial na área externa com a música na área interna, mostrando que ali eles estão blindados da opressão da sociedade.

    No entanto, é a brilhante utilização da música que eleva o poder do projeto. Assim que a cabine de imprensa do festival terminou, precisei entrar imediatamente no Spotify para procurar uma playlist com a seleção musical. São várias longas cenas que McQueen decide manter o espectador na pista de dança durante toda a faixa, resultando em momentos de pura magia. É o exemplo da sequência que envolve "Silly Games", música lançada em 1979 (ano em que o filme se passa) por Janet Kay. Uma cena que não mostra nada mais do que pessoas que eu não conheço cantando e dançando essa música, mas que me levou às lágrimas. Não há nada triste envolvido, mas as emoções que a música é capaz de despertar são muito palpáveis. A forma como a câmera transita por aquela pequena sala, entre corpos humanos cheios de vida, é de uma sensibilidade poucas vezes vistas no cinema mundial recente. Com certeza nunca conseguirei ouvir essa música da mesma forma na minha vida.

    Não há uma exclusão de temas raciais, uma questão inerente ao povo preto, ainda mais na Europa do século passado. Isto é mostrado de forma muito pontual, mas eficaz, sempre do lado de fora. Como na cena em que Patti deixa a festa e encontra um bando de homens brancos que começam a fazer barulhos de macaco para ela, que é salva não pelo estereótipo do "salvador branco", mas por um homem negro, que impõe respeito naqueles garotos racistas.

    Entretanto, não são as tensões raciais que fazem o projeto tão especial. Este constitui uma ode à comunidade negra londrina, ao reggae e ao amor. Quando Martha e Franklyn se despedem, é impossível não torcer para que ele voltem a se encontrar. A magia do cinema e da música os entrelaçou e nos deixou torcendo por eles, como se fossem nossos amigos que começaram a ficar em uma festa na qual estávamos. Resta torcer para que consigamos sentir essa magia quando pudermos viver aquilo novamente.

FESTIVAL DE CINEMA DE LONDRES 2020

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