Sibéria (2020)
SIBÉRIA
Direção: Abel Ferrara
Ano: 2020
País de origem: Itália/Alemanha/Grécia/México
Texto escrito por Matheus C. Fontes
A capitalização da Arte tende a moldá-la de tal forma que a encaixe em padrões capazes de torná-la mais atrativa para a massa. Este processo acontece com o Cinema desde suas primeiras décadas de existência, com mais destaque nos Estados Unidos, onde uma indústria foi arquitetada para a produção em série de filmes, sujeitando os criadores às normas dos estúdios. Com este mecanismo, uma forma narrativa clássica foi estabelecida como modelo a ser seguido, já que agradava mais ao grande público do que produções que fugiam dos padrões hollywoodianos.
Sendo assim, gerações acostumaram-se a consumir um determinado tipo de filme, com início, meio e fim, transformando as narrativas não convencionais em produtos a serem esquecidos em um nicho mais "indie". Um termo usado, por muitos, como maneira de excluir trabalhos que não estão à serviço do capital, mas da própria Arte e, dessa forma, sujeitos apenas à visão de seu(s) realizador(es).
É exatamente o que temos aqui.
Após seu trabalho antecessor, Tommaso, ter estreado como parte da seleção oficial de Cannes 2019, Abel Ferrara traz mais uma obra com alto teor autobiográfico para a temporada de festivais deste ano. Sibéria teve sua estreia em Berlim e chega agora ao Festival de Londres como um dos filmes mais divisivos do ano, tanto entre público quanto entre a crítica especializada.
Com uma narrativa sem aparentes espaço e tempo definidos, Clint é um homem que vive isolado em um bar localizado no meio de uma tundra congelada, recebendo esporadicamente clientes sombrios e enigmáticos. Para o papel principal, Ferrara escala Willem Dafoe mais uma vez, consolidando-se como um verdadeiro alter ego para a persona do realizador, que utiliza sua arte para contar e refletir sobre uma história muito específica: a sua própria.
Ao não traçar uma linha narrativa definida e apresentando acontecimentos e personagens de forma quase episódica, o diretor acabou despertando várias críticas negativas que alegam a falta de um direcionamento para que o público seja capaz de interpretar as inúmeras alegorias utilizadas durante os 92 minutos de projeção. Afirmações que são um mero resultado do processo de capitalização do Cinema, pois a Arte não surgiu com a única função de servir quem a consome.
Sibéria é um projeto de autorreflexão de Ferrara. Sendo assim, qualquer tentativa de entender as metáforas narrativas colocadas na tela é meramente em vão, considerando que o referencial necessário para tal é de propriedade apenas do próprio realizador e (talvez) daqueles que o conhecem muito intimamente. No entanto, qualquer obra, ao ser entregue ao público, está sujeita a interpretações pessoais, o que não é diferente aqui.
Algumas discussões feitas são bem óbvias para quem assiste, como as comparações feitas entre o protagonista e o pai, simbolizadas pelo fato de este ser interpretado pelo mesmo Dafoe. Temas como egocentrismo e fé são trabalhados em uma das cenas mais lindas do ano, onde o sol nasce de um lago subterrâneo, inundando o ambiente com uma luz vermelha alaranjada quase hipnótica, contrastando com a fotografia predominantemente de tons frios, utilizados para retratar a solidão e a melancolia do protagonista.
Abel Ferrara não entrega um filme pensado para agradar os espectadores, mas um que lhe serve de terapia, aos moldes de Freud. As imagens e os sons são a exteriorização dos traumas, afetos e desafetos de um artista preocupado apenas com sua Arte. O que é irônico, considerando que ele se confronta sobre egocentrismo em certa passagem do longa. Mas é, ao mesmo tempo, brilhante.
FESTIVAL DE CINEMA DE LONDRES 2020
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