#02 Mostra de São Paulo 2020

   



LUA VERMELHA

Direção: Lois Patiño

Ano: 2020

País de origem: Espanha

    O diretor Luis Patiño imerge o espectador na realidade de uma pequena vila da Galícia, localizada à beira mar, cujos habitantes choram o desaparecimento de um pescador local. Em um primeiro momento, o espectador percebe a escolha da direção por planos estáticos, onde vemos indivíduos mudos diante da paisagem ao seu redor. Suas vozes são ouvidas apenas em voice-over, como se fossem seus pensamentos. Palavras que não conseguem ser reproduzidas por suas cordas vocais e escapar por suas bocas. Um monstro está sempre à espreita, podendo aparecer a qualquer momento e levar mais um morador da vila.

    O monstro seria uma representação da própria morte? A narrativa alegórica deixa várias questões abertas a interpretação, mas a resposta seria sim para mim. O luto que se abate sobre quem fica silencia suas expressões, suas forças, sua determinação para se mover e se comunicar. Os lençóis brancos, que remetem ao ótimo Sombras da Vida, são narrativa e esteticamente importantes, pois seu contraste com o ambiente mostra a separação daqueles corpos em relação àquele plano. Eles não pertencem mais a esse mundo e sua passagem para uma outra realidade é representada de forma poética pelo último ato, com planos que utilizam filtros vermelhos de maneira brilhante na fotografia. No entanto, o ritmo lento e a falta de interação entre personagens tornam a experiência demasiadamente cansativa, prejudicando a imersão do público.




MATE-O E DEIXE ESTA CIDADE

Direção: Mariusz Wilczynski

Ano: 2019

País de origem: Polônia

    Com um traço de desenho muito particular, Mate-o e Deixe Esta Cidade se estabelece como uma das experiências mais interessantes do ano, mas também uma das mais restritivas. É difícil entender o que está acontecendo quando o filme tem início. Não há uma linha narrativa bem definida, o tempo aparentemente é não cronológico, é difícil identificar os personagens em cenas diferentes. O caráter surrealista da animação torna a experiência instigante para alguns e tediosa para outros. No meu caso, houve uma mistura das duas situações.

    Pode ser tedioso porque é de difícil compreensão, não há um indicativo do que o filme realmente trata-se durante boa parte do tempo, dificultando a imersão do público. Eu fui capaz de perceber a proposta do diretor apenas em uma cena na qual um personagem conversa com sua mãe doente. Durante o diálogo, a mãe pergunta sobre o próximo filme no qual o filho está trabalhando e, em cero momento, ele fala que está "desenhando seu filme". Subentende-se que aquele sujeito é o próprio diretor Mariusz Wilczynski, que utiliza este projeto para falar sobre sua vida e de sua família.

    É possível traçar paralelos com um outro filme deste, Siberia, no qual Abel Ferrara também discute aspectos de sua existência através de uma narrativa parcialmente surrealista, baseado nas teorias da psicanálise. São dois projetos cujas interpretações são muito restritas aos próprios cineastas, mas a diferença é que Ferrara consegue construir seu filme com alegorias que o público é capaz de interpretar, enquanto Wilczynski mergulha no surrealismo de tal forma que transforma Mate-o e Deixe Esta Cidade em uma experiência confusa em grande parte do tempo. Mas é inegável a capacidade do diretor em reviver (e reconstruir) certas memórias através de cenas visualmente estonteantes, além de apresentar um final brilhante.


Texto escrito por Matheus C. Fontes como parte da cobertura da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

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