Slow Singing (2020)

 



SLOW SINGING

Direção: Xingyi Dong

Ano: 2020

País de origem: China

    Texto escrito por Matheus C. Fontes
    
    O diretor soviético Andrei Tarkovski pautou sua obra na teoria cinematográfica de "esculpir o tempo", modulando a percepção humana de tempo na tela do cinema, utilizando planos longos poucos cortes para conferir a ideia de "passar o tempo" e construir a relação entre um momento e outro. Sem dúvidas, Tarkovski é um dos diretores mais influentes da história da Sétima Arte e sua herança pode ser sentido no diretor chinês Xingyi Dong. Entregando seu primeiro trabalho à frente de longas-metragens, Dong apresenta Slow Singing, a história de um homem que acaba de sair da prisão, onde esteve por aproximadamente 20 anos, e está voltando para seu vilarejo.

    Abrindo com um brilhante plano-sequência, somos apresentados a vários elementos da narrativa. O primeiro deles é o ritmo lento com longos planos que permeia toda a duração do filme, sendo o principal elemento narrativo usado para explorar as dimensões do tempo. O protagonista é introduzido neste plano e pega uma carona no veículo onde a câmera se encontra, como se estivesse embarcando nessa jornada junto com o espectador ao adentrar no fora de campo. Pelos seus diálogos com o irmão, nós descobrimos quem ele é, de onde vem e para onde vai. Outro elemento introduzido neste plano é o meio ambiente, partindo de uma vegetação mais escassa para as plantações abundantes e os campos de cerejeiras, que são tão importantes quanto qualquer um dos personagens, construindo uma das diversas metáforas presentes. Assim, este fixa-se como um de meus planos-sequência favoritos do ano até o momento (o outro também é deste filme).

    O protagonista é um homem que passou grande parte de sua vida na cadeia e, por isso, teve seu tempo de juventude roubado. Nesta lógica, é incrível a construção feita do personagem como um adulto-criança. Ele logo se une com uma criança da vila com quem faz tudo e anda para todo lugar. Ele tem atitudes muito infantis, como construir e brincar com um estilingue, brincar com um pião, não ter responsabilidade com o trabalho, pegar passarinhos, entre tantos outros. E ele precisa descobrir um novo mundo fora da prisão depois de duas décadas: começa a aprender como usar um celular e como funciona; descobre que grande parte de seus conhecidos já se mudaram do vilarejo. Precisa crescer em tão pouco tempo, enquanto os outros levaram anos para o mesmo.

    Também há uma forte oposição entre campo e cidade, com suas noções de tempo diferentes. Isso fica bem claro no outro ponto forte do filme: o plano-sequência que ocorre no terço final da projeção. Com longos 9 minutos, começamos vendo o protagonista em mais de seus momentos de infância, onde joga um video game para (provavelmente) descontar a raiva que tomou posse dele na cena anterior, então ocorre uma briga e a câmera na mão (contrastando com a câmera quase sempre estática das cenas no vilarejo) continua acompanhando a ação. Passamos por uma feira tomada pela multidão (uma locação real repleta de não atores, como percebemos pelo fato de vários encararem a câmera). O personagem encontra-se perdido naquele mundo que avançou no tempo enquanto ele ficou preso no passado. Por isso, ele foge da multidão. Há uma rima visual com um trabalho seu na vila e, então, sobe em um morro para conseguir sinal no celular, como se estivesse se afastando de tudo que lhe foi apresentado fora da cadeia para enxergar melhor, compreender o que está acontecendo e conseguir estabelecer uma relação com aquela realidade.

    A partir deste momento, há uma virada no arco narrativo do protagonista e várias construções metafóricas e de personalidade são fechadas. O personagem passa trabalhar e toma suas responsabilidades de adulto. Liberta um pássaro que havia prendido em uma gaiola, em uma metáfora tanto para sua libertação da prisão quanto para o fato de ele estar deixando seu espírito de criança para trás. Embora o uso de um ritmo bem lento no desenvolvimento da história ter um propósito narrativo bem estabelecido, o diretor acaba pecando no segundo ato ao deixar quase impossível que o espectador esteja completamente focado no que está acontecendo, por causa da lentidão dos fatos. No entanto, Slow Singing ainda é uma estreia brilhante de Xingyi Dong, que apresenta sua percepção tão própria do tempo, principalmente considerando que ele filmou no vilarejo em que cresceu. Tendo inspiração no tio do realizador, o filme é uma ode ao estudo do tempo e de como este pode ser tão pessoal e moldar quem somos.

FESTIVAL INTERNACIONAL DE CINEMA DE SAN SEBASTIÁN 2020



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