A Good Man (2020)

 



A GOOD MAN

Direção: Marie-Castille Mention-Schaar

Ano: 2020

País de origem: França

    Texto escrito por Matheus C. Fontes

    Recentemente, escrevi um breve texto sobre o curta-metragem brasileiro Carne (2019) e ressaltei minha dificuldade em abordar uma obra sobre o corpo feminino, por não ter conhecimento da experiência de (sobre)viver como mulher na nossa sociedade. Aqui, me encontro diante da mesma problemática, mas muito mais potencializada, já que sou um homem cis, privilegiado diante das diversas barreiras colocadas para as minorias.

    A diretora francesa Marie-Castille Mention-Schaar insere o espectador na vida de Benjamin, visto pela primeira vez de costas prestes a mergulhar no mar, assim como estamos prestes a mergulhar em sua realidade e encarar uma difícil jornada. Ele é um homem transexual que vive com sua esposa Aude em uma ilha isolada, para onde foram com o objetivo de recomeçar suas vidas sem que ninguém soubesse da transição de gênero do protagonista. Mas as coisas complicam-se muito por desejarem ter um filho e Aude ser estéril. Diante desta situação, Benjamin toma a decisão de carregar a criança em seu ventre. 

    Explorando um tema que eu particularmente nunca vi ser abordado no Cinema, a diretora nos conduz através de todo o processo de gravidez de maneira crua, sem usar quase nenhuma música incidental, como se estivesse tentando contar aquela história sem firulas, atrelado à cruel realidade. No entanto, ela dá seu primeiro passo em falso, já que o roteiro é puro melodrama, contrastando com a proposta naturalista da direção. Em certo ponto, parece que o texto está conferindo se já mostrou todos os pequenos momentos de desconforto pelos quais um homem trans pode passar na vida, além do fato de não confiar na capacidade do espectador de entender o que está acontecendo. Por exemplo, há uma cena em que Benjamin precisa pagar a conta do supermercado com um cheque e ele e a esposa ficam tensos com medo da caixa pedir seus documentos de identificação (que ainda estavam com o seu nome de nascimento). Mais adiante, com medo de que o público não tenha entendido a cena, o roteiro faz o protagonista dizer claramente o que aconteceu no supermercado, em um diálogo super expositivo (como muitos outros presentes aqui).

    A decisão de mostrar como o casal protagonista se conheceu e iniciou o relacionamento através de flashbacks é totalmente desnecessária e constitui mais um dos vícios da abordagem do melodrama que, na maioria das vezes, são utilizadas somente com o objetivo de arrancar lágrimas do público. No entanto, a narrativa torna-se vazia ao ponto de ser difícil despertar emoções muito fortes (pelo menos em mim), embora trate de um tema tão delicado. Este, inclusive, é um dos motivos que fazem valer a pena assistir à obra, já que traz uma representatividade tão pouco presente no Cinema.

    Outro ponto forte do longa é o elenco, com grande destaque para a atriz francesa Noémie Merlant (Retrato de uma Jovem em Chamas). Ela interpreta Benjamin antes e depois da transição com uma grande força e presença, destacando-se um primeiríssimo plano em uma boate, onde seus olhos transmitem toda a confusão mental e sentimental pela qual o personagem está passando no mento. Sinceramente, não sei como ela conseguiu fazer aquele brilhante trabalho de voz, transitando entre características femininas e masculinas com tanta precisão (cheguei a considerar a possibilidade de ser um efeito de pós-produção). 

    Entretanto, é aqui que meu texto encontra sua limitações. É impossível para mim debater sobre a representação da vida de um homem transexual sem ter nem mesmo convivido com um em minha vida. Não posso dizer se há algum problema na abordagem do tema e isso me deixa cego para ver o filme em todas as suas camadas. Um ponto que me incomodou é que, embora o trabalho de maquiagem seja incrível e a atuação da Noémie Merlant muito boa, ainda é mais um casa de transface, sobre o qual tantas pessoas trans reclamam, por tirar toda a credibilidade da representatividade, considerando que há vários atores e atrizes trans que não conseguem trabalho.

    Apesar de todos os seus problemas, A Good Man ainda é um filme sobre um tema importantíssimo e pouco discutido e que deveria ser assistido fora dos festivais, por um número muito maior de pessoas, mas que provavelmente vai encarar o preconceito da sociedade nas bilheterias e ficará limitado a um determinado público. Com lindas linhas de diálogo proferidas pela professional que aconselha o casal, o filme ainda aborda a complexidade das confluências de gênero e como as pessoas a encara, debatendo sobre como a maternidade é encarado como um dom feminino e a dificuldade da sociedade entender que um homem trans pode engravidar. E continua sendo um lindo e mágico dom.

FESTIVAL INTERNACIONAL DE CINEMA DE TORONTO 2020

    



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