Passion Simple (2020)

 



PASSION SIMPLE

Direção: Danielle Arbid

Ano: 2020

País de origem: França / Bélgica

    Texto escrito por Matheus C. Fontes

    Há alguns anos, a trilogia Cinquenta Tons de Cinza foi adaptada para o cinema, resultando em alguns dos piores filmes da última década. Naquela história de um relacionamento complicado e cheio de abusos, a obsessão sexual era tratada de forma erótica, fantasiando várias questões de abuso mental e construindo cenas de sexo que tinham o único objetivo de exaltar o lado erótico da relação, atraindo bilheteria de quem esperava um (quase) pornô. 

    Em Passion Simple, novo filme da diretora francesa Danielle Arbid, a relação entre os personagens centrais é tratada de uma forma totalmente diferente. Adaptando o livro homônimo escrito por Annie Ernaux, o filme apresenta Hélène, uma professora universitária, que está tendo um caso com Alexandre, um diplomata russo casado, com quem não possui nada em comum. Ela encontra-se perdidamente obcecada pelo homem e acaba perdendo o rumo de sua vida.

    Diferentemente da infeliz trilogia citada anteriormente, aqui a obsessão sexual da protagonista não é vista de forma puramente erótica, mas como um vício que traz problemas para sua vida pessoal, familiar e de trabalho da mesma forma que em um filme sobre dependência de álcool e drogas. É muito interessante observar a construção criada em torno disso no arco dramático de Hélène, principalmente com seu celular. Como Alexandre é o único que entra em contato para marcar um encontro entre eles, ela está sempre muito atenta para quando seu celular toca. 

    A atriz Laetitia Dosch brilha nesse sentido, conferindo o olhar obsessivo da personagem e atentando-se para os mínimos detalhes da construção da persona viciada. Quando seu telefone toca durante uma aula, ela desestabiliza-se completamente, seu olhar muda e sua atenção é desviada dos alunos para o número que ela encara na tela do celular, como se um viciado em cocaína se deparasse com um traficante oferecendo um pouco da substância. Sergei Polunin constrói Alexandre como a figura enigmática que prende a protagonista na busca por respostas sobre sua vida, atendo-se a revelar apenas alguns pontos sobre sua vida pessoal. O resto do elenco está operante, mas nada que se compare ao trabalho de Laetitia, que se consolida como o ponto alto do filme.

    Investindo em várias cenas de sexo ao longo dos 97 minutos de projeção, a diretora Danielle Arbid entrega um filme que será muito divisivo entre o público e entre a crítica. Enquanto muitos verão a insistência em mostrar o sexo entre os personagens como cansativo e repetitivo, eu acho essencial essa abordagem, já que mostra o uso da droga que vicia a protagonista. Além disso, a edição faz um uso muito inteligente da fusão para destacar como os pensamentos de Hélène voltam-se constantemente para o seu objeto de desejo.

    No entanto, o grande problema do filme reside no encaminhamento final da narrativa. O roteiro, após construir toda uma história de vício que atrapalha a protagonista em todos os aspectos de sua vida (família, trabalho, saúde, amizades), decide amparar a tese de que aquele homem foi importante para a vida de Hélène, que chega a afirmar que ele abriu seus olhos para o mundo, como se fosse o responsável pela melhora da sua vida. Passion Simple poderia ter sido um filme muito melhor se tivesse seguido a narrativa de seus dois primeiros atos, mas se perde ao tentar sustentar a ideia de que o vício pode ser uma solução para seus problemas quando superado, caindo na problemática de exaltar a tristeza, a pobreza ou qualquer outro problema como um caminho para uma vida melhor posteriormente. A questão não é viciar-se para depois superar, mas sim nunca cair no vício.

FESTIVAL INTERNACIONAL DE CINEMA DE SAN SEBASTIÁN 2020



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