Mulan (2020)

 



    Texto escrito por Matheus C. Fontes

    "Algumas histórias jamais poderiam ser contadas de outra maneira que não através de um desenho animado." É assim que o crítico Pablo Villaça iniciou seu texto sobre o filme original de 1998, em uma época em que estava encerrando-se a fase do Renascimento Disney (quando o estúdio voltou a fazer filmes de animação de grande sucesso). Agora, essa nova versão da lenda chinesa de Hua Mulan chega em uma fase completamente diferente da produtora, onde o seu foco está em remakes e reboots em live-action.

    A atriz Liu Yifei interpreta Mulan, uma garota que vive no interior do Império Chinês cujos pais querem que ela se case para trazer honra à família. Porém, sob ataque dos hunos, o imperador exige que cada família envie um homem para o exército. Com medo de que seu pai, ferido em uma batalha no passado, morra em combate, Mulan disfarça-se de homem e parte em uma jornada que mudará sua vida.

    Partindo da mesma premissa da animação de 22 anos atrás, o filme toma certas liberdades criativas com a intenção de tornar a história mais realística e com um aspecto de épico (em uma manobra comercial com foco no comércio chinês, que vem consumindo ativamente filmes do gênero nos últimos anos). Com isso, personagens de caráter fantástico são removidos; entre eles, o dragãozinho Mushu que era um dos principais destaques da animação. A equipe criativa decidiu retirar o teor cômico da história para manter a seriedade dos fatos. 

    Entretanto, essa decisão trouxe consigo um dos principais problemas da obra: a falta de humanidade. Nenhum dos personagens possui um desenvolvimento interessante, sendo quase impossível que o espectador consiga conectar-se com eles e, desta forma, sentir o peso dos acontecimentos. Inclusive, a própria protagonista é retratada pelo roteiro e pela atriz principal de uma forma fria, impessoal. O primeiro ato do filme é muito apressado, por isso, não é possível sentir as relações dentro da família e a consequente angústia que a personagem central sente por ter desonrado seus parentes.

    Por outro lado, deve-se destacar que essa nova versão da lenda chinesa é muito mais respeitosa com a cultura daquele povo e carrega uma visão menos ocidentalizada dos acontecimentos (com exceção do fato de todos os personagens conversarem em inglês).

    Embora o filme trate de uma guerra e os criadores decidirem manter um caráter épico à narrativa, eles esbarram na fórmula Disney. A violência é retratada de maneira superficial e pouco agressiva e as lições de moral são destacadas com muito vigor (um personagem declama em determinado momento: "devoção familiar é uma virtude essencial") com o objetivo de manter o conceito "família" das produções do estúdio.

    Grande parte das cenas de luta carecem de uma boa coreografia e recaem na péssima estratégia de manter planos curtíssimos e uma montagem acelerada para que o espectador não consiga ver exatamente o que está acontecendo. Porém, há algumas poucas cenas de ação bem filmadas, além dos planos gerais da cena da batalha ao pé das montanhas serem visualmente exuberantes. Os efeitos especiais computadorizados são utilizados em demasia durante todo o filme e acabam atrapalhando a experiência em alguns momentos. A direção de arte, ao decidir pelo uso forte das cores, mantém o aspecto fantástico da história e brilha principalmente na parte interna da vila, onde o CGI é menos utilizado em comparação com outros ambientes.

    Talvez não seja uma história que só poderia ser contada através de um desenho animado. Mas este, com certeza, ajuda a manter toda a fantasia presente nos acontecimentos e que se perdeu nessa tentativa de recontar algo que já havia se consolidado no imaginário popular, mostrando mais uma vez que a Disney está sedenta por bilheteria e que não consegue mais apostar em novas histórias como no passado.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Capitu e o Capítulo (2021)

Mangrove (2020)

Oscar 2022: Apostas para as Nomeações