Quo Vadis, Aida? (2020)

 



QUO VADIS, AIDA?

Direção: Jasmila Zbanic

Ano: 2020

País de origem: Bósnia e Herzegovina

    Texto escrito por Matheus C. Fontes

    Filmes de guerra sempre estiveram presente no Cinema mundial ao longo das décadas, em diferentes contextos. Os Estados Unidos, por exemplo, usaram grande parte das produções sobre a Segunda Guerra Mundial para exaltarem sua força e seu exército. Com a Guerra do Vietnã, o contexto mudou completamente; muitos dos que trabalhavam com cinema foram para a guerra ou conheciam alguém que tinha ido, tornando a narrativa muito mais próxima do horror que os soldados (dos dois lados) enfrentaram. Isto acabou originando alguns dos melhores filmes que eu já assisti, como Apocalypse Now (1979), e tornou-se um contraponto à visão da guerra que havia nas produções anteriores - com algumas exceções, como Glória feita de Sangue (1957).

    No entanto, essa grande quantidade de filmes de guerra acabou originando vários clichês que empobrecem o gênero, como a impessoalidade da narrativa, que prejudicou o recente Dunkirk (2017), do diretor Christopher Nolan. Mas quando o drama da guerra é aliado a dramas pessoais, a narrativa quando muito mais força para se conectar com o público e garantir um envolvimento emocional. Partindo desta abordagem, a aclamada diretora e roteirista Jasmila Zbanic apresentou seu novo trabalho Quo Vadis, Aida? este mês no Festival de Toronto.

    Trata-se da história do terrível incidente que ficou conhecido como genocídio bósnio, em que as forças sérvias da Bósnia e Herzegovina assassinaram 8373 bósnios mulçumanos das mais diferentes idades em julho de 1995, sob comando do General Ratko Mladic. Os fatos são apresentados a partir do ponto de vista de Aida, uma professora escolar que atuava como tradutora na base das Nações Unidas em Srebrenica, onde o massacre aconteceu. Ela tenta, de toda maneira, salvar seu marido e seus dois filhos dos soldados sérvios.

    Unindo muito bem o horror da guerra com os horrores pessoais da protagonista, o projeto consegue retratar os fatos de uma maneira capaz de inserir o espectador naquela realidade e sentir toda a angústia e desolação daquela multidão que precisou deixar suas casas e ficou na incerteza do que aconteceria. Diante daqueles que deveriam estar ali para protegê-los, poucos conseguiram refugiar-se na base das Nações Unidas, ficando cerca de 20000 civis barrados pelas grades no lado de fora, à mercê de um ataque inimigo a qualquer momento.

    Foram dias de muita tensão que representaram o auge da opressão sérvia, que já durava 3 anos e meio. E quem assiste está sempre sentindo os sentimentos presentes no rosto de cada bósnio retratado, mas principalmente no de Aida, interpretada muito bem pela atriz Jasna Djuricic. Ela entrega expressões de puro terror e é capaz de transmitir toda a aflição pela qual a personagem passa em momentos nos quais precisa lutar por sua família, com destaque para uma cena presente nos 10 minutos finais da projeção.

    Aida é trazida ao público na primeira cena do filme traduzindo uma conversa entre os militares das Nações Unidas e o prefeito da cidade, em que eles discutem a segurança dos moradores de Srebrenica. Ela está ali apenas como um meio de comunicação entre as autoridades, quase apática em relação aos rumos tomados. Mas, à medida em que os acontecimentos vão desenrolando-se, ela passa a tomar as dores do seu povo, mesmo estando sob proteção da ONU. É impossível para a personagem (e para o público) não perceber como as autoridades são incapazes de cuidar daquelas pessoas. Eles não podem oferecer abrigo para todas, nem alimento, água, banheiros ou qualquer forma digna de sobrevivência. Ela deixa de ser apenas o meio e passa a ocupar uma posição ativa nas conversas, em uma bela construção de arco dramático.

    Optando pela sutileza, a diretora decide não mostrar tão explicitamente os trágicos acontecimentos, construindo tensão lentamente até atingir níveis extremos de opressão, culminando em um terceiro ato desolador. No entanto, a cena final é de esperança. Ao observarem diversas crianças em uma apresentação, aqueles que testemunharam terríveis fatos no passado mostram expressões com uma mistura de sentimentos muito complexos, de alegria a tristeza, mas com a esperança de que aquelas crianças nunca vão ter que passar pela tragédia que eles enfrentaram.

FESTIVAL INTERNACIONAL DE CINEMA DE TORONTO 2020

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