Akilla's Escape (2020)



AKILLA'S ESCAPE

Direção: Charles Officer

Ano: 2020

País de origem: Canadá/EUA

    Texto escrito por Matheus C. Fontes

    Ao som da ótima 'Punky Reggae Party' de Bob Marley, a projeção começa mostrando ao espectador várias imagens de arquivo com o propósito de situá-lo no contexto histórico da Jamaica, país este que está presente em cada segundo do filme, embora nunca apareça diretamente. Além disso, o ator principal é apresentado ao público dançando, com seu corpo livre. A liberdade que ele tanto almeja.

    O jamaicano-canadense Charles Officer dirige seu mais novo trabalho Akilla's Escape, que estreou no Festival de Toronto neste último fim de semana. O filme apresenta a história de Akilla Brown, um traficante de maconha que acaba no meio de um assalto durante uma negociação e tenta resgatar um jovem desse mundo do crime. Durante apenas uma noite, toda ação se desenrola, ao mesmo tempo em que acompanhamos flashbacks da juventude de Akilla, marcado por vários traumas.

    O protagonista, mergulhado na luz vermelha de seu apartamento, trabalha em um projeto enquanto observamos os livros que ele mantém em destaque: Ilíada, de Homero, A Arte da Guerra, de Sun Tzu, e Notas de um Filho Nativo, de James Baldwin. Cada um reflete uma parte da vida, da personalidade e dos pensamentos de Akilla, demonstrando ótimas ideias criativas do roteiro escrito pelo diretor com a roteirista e poeta canadense Motion, mostrando grande sensibilidade através de linhas de diálogo que soam como pura poesia. 

    Toda a parte técnica do filme está a serviço da narrativa, engrandecendo ainda mais o projeto. A fotografia é utilizada para construir o aspecto neo-noir evocado pela direção, mergulhando os personagens em luzes neon em alguns momentos, com destaque para a utilização das cores das bandeiras dos países nos quais o protagonista e seus pais já viveram. Esta mesma palheta é a estratégia usada pela direção de arte, que deixa seu brilhantismo em pequenos detalhes ao longo do filme, como, por exemplo, a estampa do banco da van de Akilla, que traz listras com as cores da Jamaica, dos Estados Unidos e do Canadá, demonstrando que o personagem principal é o resultado de todas as suas experiências passadas. A montagem também possui momentos que merecem apreciação, como o raccord sonoro criado entre as batidas no volante de um veículo (no presente) e o som dos aparelhos do hospital (no passado), além do corte realizado de quando há um plano detalhe da tatuagem da antiga facção criminosa à qual o protagonista pertencia, para a linha temporal onde ele ainda faz parte dessa gangue, liderada pelo seu pai.

    As tatuagens, inclusive, são utilizadas pelo filme como uma metáfora visual para as coisas do nosso passado que são praticamente impossíveis de serem removidas da nossa vida. E Akilla quer, a todo momento, fugir dessas marcas, do seu passado familiar que ainda o assombra, da vida do crime (Canadá está passando pela legalização da maconha durante o filme). A montagem, sempre retornando para a juventude do personagem, demonstra que, por mais que ele tente, o que aconteceu sempre vai estar presente. Seu pai, traído pelo homem que ele ajudou a eleger na Jamaica, ensina que o filho deve ser independente, lição esta que ele demonstra ter aprendido, tanto em pequenos acontecimentos (ele diz para seu negociante que ele mesmo vai contar para a chefe o que descobriu sobre o assalto), quanto em uma maior perspectiva, como o fato de ele não ter construído uma família, tornando-se emocionalmente independente (pelo menos, na superfície).

    Todo elenco está muito bem, com uma grande performance do estreante Thamela Mpumlwana, que faz o papel tanto do jovem que o protagonista tenta salvar quanto do próprio personagem central em sua versão mais jovem, em uma excelente decisão com o propósito de evidenciar o fato de Akilla ver a si mesmo naquele adolescente canadense. Mas o grande destaque fica para Saul Williams, que interpreta Akilla adulto com muita força, embora o texto não forneça um bom material, já que foca a linha temporal do presente na ação e tenta realizar um estudo do personagem através do recurso dos flashbacks, mas esquece de mostrar ao público mais nuances do homem que ele se tornou. Além disso, outro ponto que me incomodou bastante foi o fato de o filme não desenvolver o personagem interpretado por Mpumlwana nos dias atuais, limitando-se a mostrar a relação dele com a tia, seus problemas de saúde e sua vida no crime, sem que o espectador saiba mais nada muito profundo sobre sua vida pessoal e sua personalidade.

    Ao tentar revitalizar o gênero de gângsteres, a partir de uma estética neo-noir e da temática das vidas negras na América do Norte, Charles Officer entrega um filme que, em alguns momentos, se perde no desenrolar da ação, mas que consegue construir belíssimos momentos para seus personagens, marcados pelas marcas deixadas pela vida, e nos conduz a um final poético. Deixando em aberto o destino do protagonista para que o espectador possa interpretar como desejar (sendo agente ativo da obra), o importante é perceber que, independente do que aconteceu, Akilla agora fugiu e agora está livre para voar, assim como o pássaro que ele encara pela janela do carro.

FESTIVAL INTERNACIONAL DE CINEMA DE TORONTO 2020


 

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