A Máquina Infernal (2021)

 
A MÁQUINA INFERNAL
 
Direção: Francis Vogner dos Reis
 
Ano: 2021
 
País de origem: Brasil

    À parte daquilo que havia sido feito por José Mojica Marins, o Zé do Caixão, o Novíssimo Cinema Brasileiro tem explorado com frequência as possibilidades do terror dentro de suas discussões político-sociais. Juliana Rojas e Marco Dutra ganharam grande visibilidade no gênero durante a última década, com grande destaque para Trabalhar Cansa (2011), cujas temática e abordagem parecem ter tido grande influência sobre a estreia do mineiro Francis Vogner dos Reis, que apresentou o curta-metragem A Máquina Infernal na edição deste ano do Festival de Locarno.

    Integrante da mostra Pardi di domani, o filme é descrito como o "apocalipse da classe operária". O diretor volta o olhar do espectador para o ABC paulista, a maior área industrial do Brasil, para trabalhar a ideia de uma condição de trabalho que definiu a era moderna, mas que permanece presente nas constantes opressões impostas ao proletariado. Através das possibilidades do terror, a relação de consumo da vida dos trabalhadores é representada de forma alegórica, conduzindo o conceito de transformação de seus corpos em máquinas, as quais estão sempre a serviço do patrão.

    O realizador maneja esse conceito não apenas de forma mais literal e direta, como o homem que teve a mão substituída por uma prótese mecânica ou a mulher que virou quase uma zumbi, mas também de maneira mais discreta, como o operário que chama a si mesmo de "Chico da solda" (não é seu trabalho que se torna parte dele, a relação de posse é justamente a oposta). Há um plano alegórica e esteticamente belíssimo durante a sequência inicial no qual sangue e óleo fundem-se, uma representação de toda essa ideia de instrumentalização do trabalhador, o sonho dos poderosos de homens e mulheres que não mais questionam decisões autoritárias e exploratórias, que são subjugados sem luta.

    Dentro dessa construção metafórica, o design de som tem papel essencial, já que consegue dar vida própria à fábrica onde a maior parte da ação acontece, construindo a ideia dessa força que devora a alma de seus operários. Além disso, a fotografia de Alice Andrade Drummond e Bruno Risas é capaz de retratar o ambiente de modo sóbrio, ressaltando as cores sem vida do concreto e do ferro, ao mesmo tempo que criam lindas composições visuais com esses elementos. No entanto, é a montagem da incrível Cristina Amaral que dá vida àquela realidade. Ela utiliza fusões com o mesmo brilhantismo de Apocalypse Now, juntando os trabalhadores com a demolição de prédios para retratar a destruição de suas vidas pelo trabalho. É impressionante pensar que esta é apenas a estreia do diretor, que já chega com um dos melhores curtas-metragens do ano até agora.

Texto publicado como parte da cobertura do Festival de Locarno 2021

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