Matrix Resurrections

Crítica | Matrix Resurrections (Sem Spoilers) - Plano Crítico


MATRIX RESURRECTIONS

Direção: Lana Wachowski

Ano: 2021

Países de origem: EUA / Reino Unido / Austrália

    Mais de 20 anos após o lançamento do primeiro filme da então trilogia Matrix, Lana Wachowski retorna, sem a irmã Lilly, para dirigir uma suposta sequência para um dos maiores fenômenos culturais da virada do século. Mas o que os fãs da franquia encontraram foi algo bem diferente do que a maioria esperava. Depois de afrontar diversas vezes a lógica de mercado que rege Hollywood, a diretora voltaria aos personagens que deixou anos atrás apenas para render mais dinheiro aos bolsos da Warner? Como admirador de seu trabalho, a resposta felizmente foi negativa.

    Iniciando com um plano que, na verdade, é apenas um reflexo, o filme concomitantemente remete ao conceito original da Matrix e oferece o real propósito da arte para a diretora: um espelho da realidade, cujo controle está em suas mãos. Quem conhece um pouco de sua história pessoal sabe que as irmãs Wachowski perderam seus pais recentemente, razão pela qual apenas uma continuou a frente do projeto, que certamente ganhou traços ainda mais pessoais, considerando que trazer personagens mortos tão queridos de volta à vida parece bastante significativo diante do contexto.

    No entanto, a primeira metade do longa evidencia que este caráter pessoal da narrativa é muito mais intrínseco do que se imaginava, inclusive nos originais. Uma nova camada de realidade é adicionada na diegese já fragmentada pela Matrix e encontramos Thomas Anderson / Neo (Keanu Reeves) quase como uma representação da autora. Lana expande aquele universo para fora da tela, trabalhando a metalinguagem de forma brilhante ao questionar realidade e ficção. Esta última é encarada como uma possibilidade de reescrever as dores e alegrias da nossa existência.

    Enquanto isso, a encenação é, portanto, reencenação, a possibilidade de recontar uma história. Entra, então, a justificativa para existência deste quarto filme, uma metáfora perfeita que é ainda mais potencializada pela sequência de abertura, onde Lana recria uma das cenas mais memoráveis do original. Inicialmente, o espectador é levado a pensar que está vendo um trecho da produção de 1999, mas quando o rosto da atriz começa a ser revelado, percebe-se que algo está errado. Bugs (Jessica Henwick) observa aquele acontecimento com o mesmo estranhamento do público. Ela aparentemente foi "despertada" da Matrix por Neo, fato que reforça a ideia de ela ser uma representação dos fãs, os quais difundiram diversas teorias baseadas na trilogia anos trás.

    Só a existência em si deste filme hoje em dia é um milagre. Numa época na qual Hollywood está mergulhada na cultura de remakes, reboots e sequências, é loucura pensar que 190 milhões de dólares foram entregues na mão da diretora para dar vida a esse roteiro. O primeiro ato é provavelmente a coisa mais ousada já feita num blockbuster em décadas, subvertendo qualquer expectativa e fazendo reflexões que seriam imagináveis apenas em produções menores, consideradas "de autor", uma descrição que define as Wachowski com perfeição.

    Lana não tem medo de mergulhar de cabeça em lados muito pessoais através de seus protagonistas. Desta forma, é impossível deixar de lado o fato de ela ter se assumido transexual após o sucesso da trilogia original. A ideia de rejeitar o padrão binário do universo digital torna-se ainda mais especial depois de tudo que aconteceu na vida das irmãs. Trinity (Carrie-Anne Moss) é, então, a chave para essa mudança, o lado feminino que falta a Neo. A melhor decisão ao escrever a personagem no novo filme é alterar seu nome, fato que culmina na melhor linha de diálogo: "não me chame por aquele nome".

    Mas para que a reunião dos dois finalmente aconteça, Neo precisa se libertar de sua "realidade" e abraçar a "fantasia", possibilitadora de encontrar seu lado verdadeiro e fazer o romantismo acontecer. Isto é algo que sempre pareceu passar despercebido por grande parte do público: Matrix é, acima de tudo, uma história de amor, como fica claro no clímax de Reloaded e na chegada à cidade das máquinas em Revolutions. Exatamente por este motivo, muitos irão se sentir frustrados pelo pouco enfoque nas cenas de luta dos originais, mas isto é algo que Lana faz de forma consciente. No meio desta narrativa de desarmar a máquina do cinema comercial norte-americano, ela opta por ir contra todo o sistema, desde as sequências de ação que evidenciam o cansaço nos corpos dos atores veteranos (a montagem serve para tirar a sensação de urgência que existia nas lutas antigas), até a decisão de manter o público por mais 10 minutos apenas para presenteá-los com uma cena pós-créditos patética, ironizando o mecanismo popularizado pela Marvel.

    Inclusive, é bastante sarcástico o fato deste filme ser lançado exatamente uma semana depois de Homem-Aranha: Sem Volta para Casa, representação máxima dos blockbusters americanos em 2021. Matrix Resurrections é, portanto, uma carta de amor da diretora a um tipo de cinema quase inexistente atualmente dentro dos grandes estúdios, um milagre que se tornará cada vez mais raro, mas que se perpetuará (mesmo que na memória de uma pequena parcela) como um registro histórico do desmantelo que o capital infringiu à Sétima Arte neste momento específico de tempo. Porém, com ou sem milhões de dólares, verdadeiros autores continuarão fazendo aquilo no qual acreditam.

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