Fantasma Neon (2021)

 
FANTASMA NEON

Direção: Leonardo Martinelli

Ano: 2021

País de origem: Brasil

    Com o encerramento do Festival de Locarno ontem, os vencedores foram anunciados e o brasileiro Fantasma Neon, de Leonardo Martinelli, foi o grande vencedor do Leopardo de Ouro entre os curtas-metragens internacionais da mostra Pardi di domani. O filme abre com depoimentos de entregadores de delivery sobre os abusos sofridos pelos trabalhadores da área, que acabaram sendo ainda mais prejudicados na pandemia. Exatamente no momento em que mais se tornaram necessários, também passaram a receber cada vez menos valor por seus serviços prestados. Quando transformaram-se em parte integrante da paisagem urbana, ficaram invisíveis aos olhos da sociedade.

    O diretor opta por uma abordagem lúdica, assim como em seus trabalhos anteriores, para abordar uma temática delicada. Todo o curta constrói-se a partir desses paradoxos, confrontando a doçura do gênero musical com a realidade amarga daquelas pessoas. A própria forma com que eles são obrigados a trabalhar é contraditória, como destaca uma das melhores linhas do roteiro: "entregar comida com fome".

    A fotografia de Felipe Quintelas é responsável por algumas das imagens mais bonitas do cinema brasileiro recente, seja as composições com o "personagem-título" (os efeitos especiais de Sávio Fernandes merecem destaque) ou aquelas que retiram o rosto do protagonista (Dennis Pinheiro), como no plano em que sua cabeça é substituída pela caixa do delivery, mostrando a forma pela qual são vistos pelos outros. Assim como no outro curta brasileiro selecionado pelo festival, que também aborda questões trabalhistas, esses indivíduos são reduzidos aos seus ofícios, despersonificando seus corpos para que estes sejam colocados completamente em função da profissão.

    Embora os números musicais consigam fugir do que normalmente é feito no audiovisual brasileiro atual, conferindo renovação na abordagem de temas político-sociais, a escolha narrativa do diretor acaba prejudicando as discussões propostas pela falta de coesão. A estrutura é quase episódica, saltando entre sequências de música e dança para momentos isolados de diálogo não cantado. De forma isolada, essas cenas funcionam muito bem, com grande destaque para o diálogo entre o protagonista e o personagem interpretado por Silvero Pereira. No entanto, falta coesão ao curta, cuja estrutura é apresentada de forma fragmentada, o que dificulta a formação de um debate ao nível dos problemas apresentados, os quais acabam diluídos em grandes momentos que são exibidos quase aleatoriamente para o público.

    Apesar disso, Martinelli ainda possui um domínio muito particular de suas imagens e de seus sons, misturando diferentes gêneros de música e dança para exibir a efervescência cultural do país. O fato de a ação situar-se no centro do Rio de Janeiro também não é coincidência, pois o local, que já foi uma das áreas de maior importância para a cidade, hoje encontra-se praticamente esquecida. As paredes pichadas unem-se aos corpos de dançarinos e músicos para jogar luz sobre rostos que não podem ser esquecidos, pessoas que arriscaram sua própria saúde para entregar comida durante a pandemia e que são relegadas a duras jornadas de trabalho, ao mesmo tempo que seus direitos são tomados por aqueles que se encontram no poder.

Texto publicado como parte da cobertura do Festival de Locarno 2021

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