Memoria

MEMORIA

Direção: Apichatpong Weerasethakul

Ano: 2021

Países de origem: Colômbia / Tailândia / França / Alemanha / México / Catar / Reino Unido / China / Suíça

    Lendo o texto da Cahiers du Cinéma sobre Memoria, percebi que a protagonista recebe o mesmo nome da mulher zumbi em I Walked with a Zombie (1943). Duas personagens colocadas em terra estrangeira, deslocadas de um povo que é fruto da colonização. Assim como Jacques Tourneur, Apichatpong Weerasethakul é um cineasta cuja obra carrega fortes traços políticos, embora estes não fiquem tão evidentes à primeira vista. Mesmo que tais aspectos não se sobressaiam tanto aqui quanto nos trabalhos em sua terra natal, as conversas sobre a exploração da floresta amazônica e a presença dos militares como último marco antes de alcançarmos o verde da selva ressoam bastante.

    Em seu primeiro longa fora da Tailândia, o diretor conserva traços autorais tanto na forma quanto em temática. O ritmo lento do budismo continua a pautar uma experiência quase hipnótica, enquanto se discute a dualidade entre urbano e rural, artificial e natural, físico e metafísico, além de explorar novas facetas daquilo que nos torna humanos. O som, elemento cuja importância no cinema é frequentemente esquecida em comparação às imagens, sempre foi um aspecto muito bem trabalhado na carreira do Apichatpong, mas aqui assume protagonismo ao estabelecer questionamentos sobre tempo, história e nossa conexão com os outros e com o meio no qual existimos.

    Já no primeiro plano, vemos Jessica (Tilda Swinton) despertar e caminhar por sua casa quase como uma morta-viva, num estado catatônico que perdura por grande parte do filme. Sonhos sempre foram parte essencial dos trabalhos do diretor (há longas cenas de personagens dormindo em toda a sua obra), mas a protagonista de Memoria não consegue adormecer. É a partir do contato com o personagem do Elkin Díaz que novas portas são abertas na narrativa. Ele não sonha, vive plenamente quando está acordado, em conexão com a natureza que o cerca.

    A mesma natureza que toma conta da mise-en-scène. Inicialmente suprimida pelo concreto da cidade, aos poucos vai se tornando mais presente: uma orquídea (outra imagem recorrente para o diretor) no meio de um pátio cheio de pessoas; o vestígio de uma montanha no alto do plano, onde as construções urbanas deixam o céu aparecer; uma árvore solitária no meio da praça, colocada lado a lado com a protagonista morta-viva; até alcançar a plenitude da Amazônia no último ato e, por fim, a chuva que cai quando os crédito finais começam a rolar e somos jogados de volta à realidade, depois da experiência mais transcendental do ano.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Capitu e o Capítulo (2021)

Mangrove (2020)

Oscar 2022: Apostas para as Nomeações