Les Promesses (2021)

LES PROMESSES

Direção: Thomas Kruithof

Ano: 2021

País de origem: França

    Abrindo a sessão Orizzonti no primeiro dia do Festival de Veneza, Les Promesses é um thriller político que confronta ideais com ambição, jogando luz sobre a corrupção das instituições governamentais, ao mesmo tempo que ainda tenta encontrar a esperança no fim do túnel. Acompanhamos Clémence (Isabelle Huppert), prefeita de uma pequena cidade nos arredores de Paris, durante os últimos meses de seu segundo mandato. Mesmo que ela sempre tenha dito que não pretendia viver como uma parasita por anos no poder, a proposta de assumir um cargo de ministra mexe com suas convicções e a leva numa jornada cheia de questionamentos sobre suas convicções.

    O mecanismo do roteiro (escrito por Jean-Baptiste Delafon e pelo diretor Thomas Kuithof) que move inicialmente a trama é Les Bernardins, um complexo residencial que abriga uma enorme quantidade de imigrantes. Quando a precariedade do edifício chega ao limite, os moradores decidem não pagar suas taxas mensais, impossibilitando que a prefeitura consiga um financiamento para reforma através do Primeiro Ministro, jogando a protagonista, seus aliados, políticos de alto escalão e mafiosos numa corrida em busca dos objetivos pessoais de cada um.

    Huppert, uma das melhores atrizes em atividade, é a responsável por carregar o estudo da personagem central. Embora não tenha muito material para exibir toda a sua genialidade e esteja longe de seus melhores trabalhos, é impossível não notar a delicadeza com a qual retrata as incertezas que cercam Clémence por quase todos os momentos, especialmente quando ela se isola dos outros. O olhar e as expressões corporais da atriz carregam o peso que está sobre os ombros da personagem, seja o medo da solidão (o roteiro não é tão sutil nessa questão, fazendo outra pessoa expor isso verbalmente em determinada cena), o receio em assumir suas ambições ou o sentimento de traição pelas próprias promessas.

    Entretanto, ela não é o único destaque dentro do elenco. Reda Kateb interpreta o chefe de gabinete da protagonista, Yazid, o qual aliou-se a ela por causa de sua honestidade e convicções políticas. Portanto, não é fácil para ele processar a decisão de Clémence em concorrer a um terceiro mandato consecutivo sem nem mesmo a aprovação do partido. Mas o longa não o retrata de forma tão idealizada quanto parece inicialmente: embora talvez nem ele próprio consiga admitir, o poder conferido por seu gabinete também o corrompeu. Não há qualquer hesitação ao despejar um garoto que cresceu no mesmo lugar que ele, sem demonstrar nenhuma empatia. Portanto, não é possível simplesmente vê-lo como herói ao final do filme, quando faz de tudo para salvar Les Bernardins.

    Les Promesses é um filme sobre hipocrisias, como fica bem claro com Yazid. O diretor explora bem a dubiedade de seus personagens e também das instituições francesas, mergulhadas em um intenso jogo burocrático, fator que ainda traz convenções de thriller para a narrativa, embora estes não sejam tão bem trabalhados, caindo em obviedades do gênero. No entanto, o longa é também hipócrita (não que isto seja de todo ruim): na mesma medida em que critica a política, mantém a fé numa minoria que ainda luta pelo povo que os elegeu. O desenrolar final pode até parecer uma visão inocente e condescendente com os personagens centrais, mas é exatamente o que foi apresentado anteriormente que não deixa isso acontecer, pois o último ato não é sobre os que foram beneficiados pela ação da dupla (eles praticamente não tem voz aqui), mas sobre Clémence eYazid tentando encontrar propósito em suas próprias vidas. É um final muito mais egocêntrico do que heroico.

Texto publicado como parte da cobertura do Festival de Cinema de Veneza 2021

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