La Place d'une autre (2021)

LA PLACE D'UNE AUTRE

Direção: Aurélia Georges

Ano: 2021

País de origem: França

    Assistir a La Place d'une autre é como ler um clássico da literatura europeia, um mergulho na aristocracia do século XX atormentada pelos horrores da guerra. Uma história de ascensão social, mas não da maneira mais convencional: Nélie (Lyna Khoudri) cresceu filha de mãe solteira, sem qualquer grande oportunidade, e teve que trabalhar como prostituta nas ruas, sendo constantemente humilhada e jogada à podridão de uma Europa desolada. Quando junta-se à Cruz Vermelha, acaba encontrando uma jovem suíça (Maud Wyler) que perdeu a família e está indo encontrar uma amiga de seu pai (papel da estonteante Sabine Azéma), a qual poderia apresentá-la à sociedade francesa e oferecer um futuro abastado.

    A diretora Aurélia Georges abraça tendências assumidamente clássicas, em especial no roteiro coescrito por Maud Ameline, algo que parece bem apropriado para a história que estão contando, sem recorrer a revisionismos baratos. Entretanto, isto torna tudo muito formulaico, ao ponto de pensarmos já ter visto aquilo dezenas de vezes, seja num livro, num filme ou na televisão. É uma escolha narrativa curiosa, pois provoca efeitos distintos: ao mesmo tempo que essa familiaridade é quase essencial para mergulharmos de cabeça naquele universo burguês, também acarreta uma falta de dinâmica, transformando o longa numa experiência desinteressante, principalmente se o considerarmos dentro do contexto apresentado, ou seja, uma seleção de filmes pouco convencionais do Concurso Internacional de Locarno.

    Porém, a tensão construída durante o segundo ato consegue manter o público intrigado. O suspense, no entanto, não parte da ideia de que algo vai acontecer, mas de quando. É quase uma tragédia anunciada, especialmente depois que os fantasmas do passado de Nélie voltam a assombrá-la, o que reduz a tensão para uma simples questão de tempo. A partir deste ponto, a complexidade moral envolvendo a protagonista é que ganha atenção central, exigindo bastante de Khoudri, um nome que já está ganhando espaço e ainda promete muito, o que fica bem claro em sua performance cheia de nuances aqui.

    O terceiro ato talvez seja o mais difícil de comentar, já que guarda momentos bem interessantes, mas entrelaçados por uma ideia de reconciliação de classe quase inocente. Quando a verdade finalmente vem à tona, um monólogo de Nélie irrompe feridas em quase todos os personagens e, concomitantemente, parece ter um efeito libertador sobre ela, a qual pode voltar de forma agridoce a ser quem realmente é, recuperando seu próprio nome e devolvendo aquele que havia sido roubado. A montagem da cena é a melhor de todo o filme, cortando da bela performance da protagonista para outros personagens de forma delicada, com grande destaque para os planos das mulheres que trabalham na mansão, como se ela estivesse contemplando seu passado e vendo o que lhe esperava depois daquele sonho.

    Embora este momento funcione de forma isolada, o que ele acarreta na desenvolvimento dos personagens é anticlimático em relação ao comentário social que estava sendo feito. Um pastor aristocrata resolve alistar-se e ir para a guerra, enquanto uma senhora rica decide perdoar as mentiras de Nélie, indo contra o que toda a aristocracia pensaria dela. Mesmo a última cena seja interessante por resgatar a ausência materna na vida da protagonista, tudo desemboca numa ideia de conscientização da burguesia, colapsando todo o conflito de classes que tinha sido construído em pura e simples ingenuidade.

Texto publicado como parte da cobertura do Festival de Locarno 2021

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