The Hill Where Lionesses Roar (2021)

 
 
THE HILL WHERE LIONESSES ROAR
 
Direção: Luàna Bajrami

Ano: 2021

Países de origem: França / Kosovo

    É impossível falar da nova edição do Festival de Cannes sem pensar nos extraordinários sucessos que saíram de lá em 2019. Enquanto Parasita acabou se tornando um dos filmes mais discutidos pela cinefilia nos últimos anos, muitos ficaram com a sensação de que outro título deveria ter recebido a mesma atenção: Retrato de uma Jovem em Chamas, um trabalho que jogou luz sobre a maioria dos profissionais envolvidos, algo que fica bem claro pela seleção deste ano. Enquanto Céline Sciamma está creditada como co-roteirista do novo filme de Jacques Audiard, duas de suas atrizes estreiam na direção de longas-metragens. O filme de Noémie Merlant (também parte do elenco do novo Audiard) terá exibição especial no evento e Luàna Bajrami dirige The Hill Where Lionesses Roar, parte da Quinzena dos Realizadores.

    A sequência de abertura exibe as três protagonistas no alto do morro que dá nome ao longa, um momento essencial para entendermos qual a situação delas no pequeno vilarejo onde vivem. Ao colocá-las ali, Bajrami mostra visualmente a separação entre elas e seus conterrâneos, já que Qe (Flaka Latifi), Li (Era Balaj) e Jeta (Urate Shabani) não têm a menor pretensão de continuar naquele lugar e seguir o estilo de vida daquelas pessoas. O rugido que elas dão no final da primeira cena, embora entregue a metáfora principal sem qualquer sutileza, é o símbolo da força de uma juventude que não admite mais ser submetida aos pensamentos de um mundo retrógrado e esmagador.

    A primeira metade do filme é dedicada a explorar o cotidiano dessas jovens no interior do Kosovo. A forma de resistência delas está sempre no meio do caminho entre a passividade e a ação, pois não existe quase nenhum momento no qual alguma das três realmente submete-se às normas sociais da região, mas também parecem não lutar contra tudo aquilo. Tanto que, quando questionadas sobre o que fazem para passar os dias, simplesmente respondem: "nós esperamos".
 
    Esperam que dias melhores chegam, esperam a aprovação no ensino superior, esperam poder cruzar as fronteiras que as separam do resto do mundo. O problema é que nada disso vai chegar tão fácil para quem não nasceu já cheio de oportunidades no pé do berço, algo que as personagens acabam descobrindo a contragosto. Quando o peso do coming of age finalmente acontece e elas percebem que estão na iminência de chegar à idade adulta, realizam que não há outro caminho a não ser agir.

    Só então entramos no segundo ato, quando as protagonistas encontram seu meio de ação: formar uma gangue, parecida com todas as outras com as quais precisaram conviver até aquele momento, mas com a diferença de gênero. De fora, é fácil julgá-las e pensar que existiam caminhos mais justos para alcançarem seus sonhos e ambições, porém o roteiro tem a delicadeza de introduzir mais um elemento ao trio, que é Zem (Andi Bajgora), com quem Li acaba se relacionando. Ele é um garoto comum que, em certo ponto da vida, precisou envolver-se com criminosos, os quais terminaram espancando-o por deixar o grupo. Isso é essencial porque mostra como, naquela realidade à qual foram submetidas desde o nascimento, não teriam outra alternativa efetiva para mudar de vida.
 
    Existem dois fatores que destacam a maior qualidade dessa segunda metade. A primeira é o fato de a apresentação da vida de gangsters delas tirar a necessidade constante de realizar um estudo de personagens, algo que a diretora tenta no primeiro ato, mas termina fracassando por não conseguir dar a devida atenção às três. O outro fator seria a mudança de tom que acontecesse, pois inicialmente a visão apresentada é quase maniqueísta, retratando as garotas como constantes vítimas de sofrimento infligido por aquela realidade.

    Infelizmente, a mão iniciante de Bajrami na direção fica bem evidente ao longo do filme, o que acaba se convertendo no seu principal problema. A decupagem das cenas é um exemplo disso, já que muitas vezes os diálogos ficam presos em primeiros planos que deveriam gerar intimidade entre as personagens, mas acabam sufocando as imagens, havendo poucos momentos nos quais a diretora faz escolhas mais ousadas, como quando opta por deixar um ato violento fora de campo e manter um enquadramento mais baixo do que o comum, ressaltando a visão de uma criança que está em cena. A montagem recorre, durante o segundo ato, a uma sequência de elipses para mostrar os roubos executados pelas protagonistas, momentos que poderiam ser melhor explorados se não fosse a duração relativamente curta do corte final.
 
    O verdadeiro símbolo de delicadeza narrativa do filme está na maneira como desenvolve a relação afetiva entre Qe e Jeta. É nisto que o potencial futuro de Bajrami como diretora fica evidente, construindo a tensão sexual entre as duas através de gestos e olhares muito sutis. É uma pena que essa mesma sensibilidade não seja aproveitada em outros momentos. Por fim, a última sequência recorre um pouco ao cinema de fluxo e é plasticamente muito bonito e poético, embora seja inevitável sentir mais uma vez a direção iniciante pela maneira abrupta como a cena é introduzida.

Texto publicado como parte da cobertura do Festival de Cannes 2021

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