La Civil (2021)

 

LA CIVIL
 
Direção: Teodora Mihai
 
Ano: 2021
 
País de origem: Bélgica / Romênia / México

    A guerra contra as drogas é uma realidade com a qual os brasileiros estão acostumados a conviver, seja diretamente ou nos noticiários. Dia após dia, filhos perdem os pais e pais perdem os filhos numa luta sem fim, que massacra as populações menos favorecidas e parece injustificável diante de tanta violência gerada. No entanto, está longe de ser algo exclusivo do Brasil, e um dos países que mais sofrem com tudo isso é o México, palco de tantas narrativas sobre tráfico que povoaram o imaginário coletivo através de filmes e séries. Na mostra Un Certain Regard deste ano, mais um título desponta como representante desta constante denúncia social que urge do coração da América Latina.

    A diretora estreante Teodora Mihai chega em Cannes com uma produção crua, visceral e extremamente aterrorizante. La Civil segue a história (baseada em fatos reais) de Cielo (Arcelia Ramírez), dona de casa cuja filha é raptada por uma gangue mexicana, numa jornada excruciante em busca do paradeiro da menina. Ela é obrigada a encarar não apenas a dor provocada pelo crime, mas também o marido Gustavo (Álvaro Guerrero) e o próprio sistema com suas instituições corruptas. Enquanto a polícia permanece inerte diante de tantos rostos estampados na parede da delegacia, são as forças militares que ganham espaço numa sociedade já desesperançosa diante do caos.

    E é exatamente com estes últimos que Cielo une-se para trocar informações e tentar alcançar o paradeiro da filha. Porém, o que ela encontra é mais violência, infligida de forma tão brutal quanto do outro lado do jogo. A reação esperada é que ela se revoltasse com aquela situação e ficasse dividida moralmente (de forma nítida), mas o roteiro de Mihai e Habacuc Antonio de Rosario não tem o objetivo de fazer qualquer julgamento, apenas expor a realidade. Isto gera um efeito intrigante: ao mesmo tempo que é louvável não querer ser politicamente correto a todo momento, gera uma ambiguidade moral que esbarra no conteúdo altamente delicado de sua temática. Uma discussão na qual é impossível encontrar certo ou errado, apenas opiniões divergentes. Pessoalmente, a arte não pode abster-se quando está de frente a questões sociopolíticas, principalmente considerando um mundo onde tantos grupos defendem a violência perpetrada pelas autoridades.

    Mihai opta por uma narrativa fincada no realismo extremo, sem nunca esconder o lado mais cruel do ser humano. A câmera de Marius Panduru vaga pelos espaços sempre atenta a cada detalhe, constantemente tirando os personagens de foco para mostrar corpos mortos, caveiras e cabeças decaptadas. Os planos longos, a câmera na mão e o incrível design de som reforçam o estilo documental da diretora, que não tem o menor interesse em manter a podridão humana fora de campo (com exceção das execuções). Pelo contrário, o longa quer jogar luz sobre um México desumano, à parte de qualquer ideal de mundo.
 
    Entretanto, a verdadeira força motriz do filme é Ramírez, uma atriz cujo nome merece receber grande destaque depois do que é alcançado aqui. O rosto dela está sempre sendo seguido pela câmera, que busca as mínimas expressões faciais e corporais para conduzir a narrativa como um estudo de personagem, não existindo sequer uma sequência na qual não esteja presente. A dubiedade moral, embora não funcione no aspecto macro do longa, é a alma da personagem, o que exige da atriz uma construção calcada nos mínimos detalhes. Dessa forma, é perceptível o desconforto sentido por Cielo quando presencia os absurdos praticados pelos militares, mas a vontade de encontrar a filha é tão palpável a cada vez que vemos seus olhos que é impossível julgá-la friamente.

    La Civil é mais um expoente da realidade desumana que é fruto da guerra contra as drogas, filmada por Mihai sem qualquer romantização, encontrando no realismo documental sua principal arma de denúncia social. Além disso, propõe um estudo de personagem muito mais aterrorizante do que grande parte dos filmes de horror, que só funciona graças à atuação brilhante de sua atriz principal.

Texto publicado como parte da cobertura do Festival de Cannes 2021

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