Întregalde (2021)

 
 
ÎNTREGALDE
 
Direção: Radu Muntean
 
Ano: 2021
 
País de origem: Romênia

    Política está presente em cada aspecto da vida humana a partir do momento em que esta é inserida em sociedade. Portanto, todo filme é político por natureza, seja uma comédia romântica da Netflix ou uma produção da Marvel e da DC. No entanto, fazer cinema com conteúdo político é diferente, pois questões sobre a forma pela qual o mundo é estruturado são colocadas como centro da história, tornando a tarefa dos realizadores muito mais desafiadora. Mesmo quando a narrativa gira em torno de um personagem, o aspecto macro de sua existência é colocado em constante enfoque. Nesses casos, o cinema recente demonstrou grande cuidado ao tratar de certos temas, fazendo com que os filmes políticos se tornassem fundamentalmente calcados no drama convencional (não que seja negativo em todos os casos, algo que Ken Loach pode provar bem), mas as convenções de gênero já se provaram bastante eficazes para abordar esses tópicos, e é exatamente isto que Radu Muntean propõe em sua nova obra.
 
    O diretor, representante da Nova Onda Romena, é conhecido por suas produções pós-comunistas e continua aqui as discussões a respeito de seu país nos dias de hoje. Em Întregalde, selecionado para a Quinzena dos Realizadores, um grupo de humanitários está numa missão no interior montanhoso da Romênia, para onde cada um foi com diferentes propósitos, embora a ideia aparente seja a de ajudar as populações menos favorecidas economicamente. Tudo parece estar em harmonia na primeira cena: eles distribuem os mantimentos em sacos e carregam os carros para partirem pelas paisagens exuberantes da região. O que se vem em seguida não é tão harmonioso assim.
 
    Na verdade, o roteiro nunca mantém completamente as aparências perfeitas, apoiando-se sempre em pequenos detalhes que fazem o público questionar aquele ato de bondade. Um dos carros leva uma equipe de jornalista para filmar tudo; o prefeito parece estar envolvido para se autopromover; a família que incialmente leva Maria (Maria Popistasu), quem mais se aproxima de ser protagonista, ostenta luxo e está sempre em conflito interno. Quando a personagem central muda para o veículo de Dan (Alex Bogdan) e Ilinca (Ilona Brezoianu), a primeira visita que eles realizam revela a crescente tensão entre estrangeiros e nativos, como quando aqueles usam a diferença de língua (a fronteira primordial entre os seres humanos) para comentar a situação "triste" da idosa que eles encontram.
 
    O longa começa a ganhar novas dimensões a partir da entrada de Kente (Luca Sabin). Ele, um senhor de idade vagando pela estrada a qual os humanitários estão percorrendo, pede carona até o moinho onde está indo. Inicialmente, o trio fica receoso, mas acaba aceitando e pegam um atalho pelo meio da floresta até o local. Daí em diante, o caos instala-se na viagem e um tom de suspense vai tomando de conta do filme.
 
    A fotografia de Tudor Vladimir Panduru é um elemento essencial nessa construção de thriller, utilizando planos super longos para tirar o fôlego do espectador. É importante destacar o incrível trabalho de câmera, que se movimenta com fluidez dentro dos carros, os quais abrigam boa parte do longa e criam o ambiente claustrofóbico para sufocar ainda mais a mise-en-scéne. O desenho de som também destaca-se por dar vida àquelas montanhas: é possível ouvir a natureza respirando, mas não com um efeito calmante. Pelo contrário, os sons naturais quase não deixam que o silêncio tome conta da cena, mais uma estratégia da direção para atordoar os personagens.
 
    No meio de tantos dramas que dominam o circuito de festivais, é satisfatório ver o cinema de gênero sendo usado com brilhantismo em função de discussões político-sociais. Muntean tem domínio pleno de sua encenação, um suspense capaz de prender a respiração de qualquer um, ao mesmo tempo que revela a farsa do humanitarismo das classes abastadas e denuncia problemas da Romênia contemporânea. A decisão de encerrar com a explosão do tom melancólico que permeia o filme é fundamental, pois ressalta mais uma vez como o thriller está, em última análise, em função de algo maior do que o puro entretenimento.
 
Texto publicado como parte da cobertura do Festival de Cannes 2021

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