Mes frères, et moi (2021)

 
 
MES FRÈRES, ET MOI
 
Direção: Yohan Manca
 
Ano: 2021

País de origem: França

    A Arte é inútil? Para o prefácio do livro O Retrato de Dorian Gray, do escritor Oscar Wilde, ela é sim completamente inútil, assim como muitos pensadores argumentaram ao longo dos séculos. Ela seria um fim em si própria, não trazendo assim qualquer fruto para o sistema, e mesmo assim permanece tão importante. Em Fitzcarraldo, Werner Herzog mostra a personagem de seu protagonista pelas coisas inúteis: mesmo no meio do ano e em completo caos, ele quer pinturas, esculturas, música e boa culinária, algo sem propósito considerando a situação na qual encontra-se. É esta a paixão inexplicável de qualquer amante da cultura, um sentimento que os outros são incapazes de compreender. Como somos tão dependentes de algo que podemos viver sem? A questão é que não podemos.

    Da mesma forma, como um garoto de 14 anos, morador de um dos bairros mais pobres do litoral francês, pode explicar para os irmãos mais velhos que ele precisa da ópera, vista como a mais elitista das artes, para ser quem é? Esta é a situação de Nour (Maël Rouin Berrandou, cujo carisma ganha o público), um menino que perdeu o pai muito cedo e é criado pelos três irmãos mais velhos, enquanto a mãe está em estado de coma e sendo cuidada em casa. Na sequência de abertura de Mes frères, et moi, o diretor Yohan Manca estabelece o espírito sonhador do personagem central ao utilizar uma narração em off na qual o menino descreve o início do verão na cidade, um período que atrai turistas do mundo inteiro. À medida que a câmera vaga pela praia sem mostrar inicialmente a cara dele, a paisagem do horizonte, com toda a beleza da região, desperta uma visão daquilo que o protagonista almeja, mas o contraplano vem trazendo a realidade.

    O que está além da praia é bem diferente daquele ambiente povoado pelos turistas durante o verão europeu. O subúrbio é a moradia de Nour e seus três irmãos: Mo (Sofian Khammes) tenta dar em cima de gringos ricos, Hedi (Moncef Farfar) trafica drogas e Abel (Dali Benssalah) aparenta ser o cérebro racional da família, embora acabe carregando um fardo que o faz ser mais autoritário do que o necessário. Os quatro constituem uma estrutura nada funcional, sendo constantes brigas e desentendimentos. Nesse contexto conturbado, o protagonista mirim encontra na música a razão de seus dias, o que explica todo o encantamento sentido quando é descoberto pela professora de ópera Sarah (Judith Chemla), a qual leciona num projeto de férias na escola do bairro. O desenvolvimento dado a relação entre ambos (as performances do elenco merecem reconhecimento) é uma das coisas mais interessantes do longa, pois ele passa a enxergá-la como a figura materna que faz tanta falta no cotidiano.

    Entretanto, Manca encontra a verdadeira força motriz de seu novo projeto na forma como apresenta o encantamento de Nour pela Arte. A decupagem realizada juntamente com o diretor de fotografia Marco Graziaplena, que trabalha bem com os tons quentes para ressaltar a beleza do litoral europeu, é responsável por um dos momentos mais impactantes, quando uma dinâmica de plano e contraplano é aplicada entre o personagem e a imagem de Luciano Pavarotti na televisão. Enquanto zoom in é aplicado ao mesmo tempo em ambos os planos para ressaltar a emoção crescente, o garoto é enquadrado de modo que sua boca não aparece, já que ele ainda não encontrou a própria voz. O diretor acompanha essa busca através de um coming of age que pode até recair em algumas clichês do gênero, além de alguns diálogos bem expositivos, mas que consegue brilhar pela ligação entre o processo de crescimento e o de descoberta da paixão pela Arte, inútil e essencial ao mesmo tempo.

Texto publicado como parte da cobertura do Festival de Cannes 2021

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