Streetwise (2021)

 
 
STREETWISE
 
Direção: Jiazuo Na
 
Ano: 2021
 
País de origem: China

    Parte da mostra Un Certain Regard deste ano, Streetwise é a estreia do chinês Jiazuo Na como diretor de longas-metragens. Ele propõe aqui uma jornada concomitantemente introspectiva e energética, bebendo do cinema de crimes e gangsters para discutir sobre algo muito mais pessoal e universal. É difícil descrever com palavras o sentimento humano abordado, mas antes dos créditos finais começarem a rolar, aparece a frase "dedicado a todas as almas em necessidade de conforto". Talvez seja a sensação de estar sozinho, perdido e constantemente angustiado o que o filme quer alcançar em seu estudo de personagem (algo abstrato ao ponto de eu precisar usar o "talvez" no início da frase).

    Na sequência inicial, vê-se Dong Zi (Li Jiuxiao) jogar as cinzas de aparentemente um de seus pais no rio enquanto a narração em off fala sobre o que acontece entre o céu e a terra. Assim, o diretor joga o espectador numa narrativa sobre nossas vidas enquanto seres vivos atormentados pela memória dos que se foram, além de questionar nosso estado de solidão através dos planos do protagonista sozinho na proa do barco, navegando pela vida ao mesmo tempo que precisa deixar as cinzas do passado escorrerem pelo vento e pela água. É uma história de melancolia anunciada já em sua abertura.
 
    Dong trabalha como cobrador de dívidas, auxiliando Xi Jun (Yu Ailei) a cumprir obrigações para as quais claramente não está preparado, como fica claro já na primeira cena em que os vemos em ação, cuja tragédia é cômica. Os hematomas e as ataduras vão aos poucos se acumulando não apenas em seu corpo, mas de quase todos que passam pela tela. O longa propõe-se a mostrar um ambiente no qual as pessoas estão sempre sendo massacradas, seja física ou emocionalmente, uma dinâmica representada por uma das cenas mais marcantes: um caracol sendo atormentado por Dong durante seu lento trajeto para cruzar um corrimão. Esta é uma escolha que, embora mostre a capacidade futura do diretor, expõe sua falta de experiência, já que não passa de uma construção metafórica inserida à força na narrativa, da qual parece tão deslocada.
 
    Nessa busca pela solidão e pelo sofrimentos de seus personagens, Streetwise acaba num território perigoso, pois chega a parecer vazio. Não é possível dizer que é ruim por causa disso, já que pode ser um reflexo dos próprios sentimentos do protagonista, mas fica muito próximo de soar desproposital. O aspecto subjetivo da arte me deixa certo de que parte do público vai sentir-se movida pelo trabalho do diretor, mas minha sensação ao final foi de uma experiência tão irrisória quanto a percepção de vida de Dong depois de tantas cicatrizes que o marcaram. No entanto, fica óbvio no estudo de personagem de que há muito potencial ainda a ser explorado em Jiazuo Na.
 
Texto publicado como parte da cobertura do Festival de Cannes 2021

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Capitu e o Capítulo (2021)

Mangrove (2020)

Oscar 2022: Apostas para as Nomeações