Lutar, Lutar, Lutar (2021)

 


LUTAR, LUTAR, LUTAR
 
Direção: Sérgio Borges, Helvécio Martins Jr.
 
Ano: 2021
 
País de origem: Brasil

    Talvez eu nunca compreenda a experiência de torcer, chorar e celebrar a vitória em um esporte, embora a Copa de Mundo de futebol e as Olimpíadas sejam, em partes, uma exceção. Cresci vendo minha avó materna manifestar raiva e alegria na mesma medida em partidas do clube Vasco da Gama, uma paixão da qual não fui capaz de compartilhar, mas é inegável que essa fascinação pelo futebol é parte inerente do brasileiro, algo que até parece ser hereditário. Tentar entender o que nos torna tão ligados ao futebol não é tarefe fácil, porém, este novo documentário elucida bem uma possível resposta.

    Os diretores Helvécio Martins Jr. e Sérgio Borges, ambos nascidos no estado de Minas Gerais, iniciaram em 2013 a produção deste filme sobre a história do time pelo qual são apaixonados, o Clube Atlético Mineiro, que estava em um de seus melhores momentos, sendo vencedor da Copa Libertadores da América e, no ano seguinte, da Copa do Brasil. O longa também parte dessa era de ouro para, logo em seguida, voltar décadas até sua fundação em 1908.

    Existe uma reconstrução histórica de quedas e triunfos muito bem arquitetado, constantemente indo e voltando no tempo, uma estratégia que abraça o didatismo sem ser monótono, o que se deve à decisão de não estruturar tudo de forma estritamente linear. O público é convidado a passar pela época na qual Reinaldo reinou soberano nos campos mineiros, marcando história não apenas como jogador, mas também ativista. Durante a ditadura militar no Brasil, seu punho cerrado era marca registrada após o gol, o que gerou bastante tensão política envolvendo o clube, culminando com a trágica expulsão arbitrária de 5 jogadores em partido contra o Flamengo em 1981.

    No entanto, o documentário estaria fadado à mesmice se decidisse contar todas essas histórias de maneira tradicional, dando voz apenas a jogadores, técnicos e dirigentes do Galo (apelido carinhoso dado ao time). Os diretores, então, optam por reconstituir grande parte dessas memórias a partir daqueles que realmente fazem a grandeza do esporte: os torcedores. É através dos olhos deles que vemos boa parte das históricas partidas de 2013/2014. A câmera escolhe mostrar não o campo, mas as arquibancadas do estádio, fazendo o espectador sentir-se lá, compartilhando as experiências de dor e alegria junto da multidão de fanáticos que o Atlético Mineiro conquistou ao longo dos anos.

    É justamente por causa dessa decisão formal da direção que podemos, enfim, compreender uma pequena parte do motivo pelo qual o ser humano é tão fascinado pelo esporte, principalmente pelo futebol no Brasil. Quando eu me vi emocionado durante o jogo da final da Libertadores 2013, eu entendi que não é a bola que proporciona a catarse de um torcedor, mas sim os outros torcedores. O documentário é capaz de fazer o público vivenciar a experiência coletiva de torcer por um time, pois é a energia do outro que nos move de verdade. Numa época na qual os cinéfilos estão privados de vivenciar a comunhão de sentimentos despertados ao assistir a um filme nos cinemas, foi uma honra compartilhar minhas emoções com a torcida do Galo.

Texto publicado como parte da cobertura do Festival Internacional de Cinema de Roterdã 2021

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