False Positive (2021)

 
 
FALSE POSITIVE
 
Direção: John Lee
 
Ano: 2021
 
País de origem: EUA

    É noite na cidade de Nova York, uma mulher caminha em direção à câmera, ela está com sangue por todo o rosto e pela roupa, enquanto carrega papéis numa mão e um pacote na outra. O sangue seria dela ou de outra pessoa? Em seguida, as luzes vermelhas e azuis da viatura policial inundam a tela e nosso olhar é conduzido diretamente para uma das inúmeras janelas dos prédios, estrategicamente referenciando uma característica estilística do Hitchcock que foi passada para o Polanski. Inclusive, uma das obras mais aclamadas do diretor polonês, O Bebê de Rosemary (1968), é inspiração clara para que John Lee realize False Positive, uma mistura de gêneros que pode até parecer interessante inicialmente, mas acaba se perdendo pela direção fraca e pela vontade de abraçar mais comentários sociais do que é capaz.

    Lucy (Ilana Glazer) já está tentando frustradamente conceber um filho há 2 anos. Sem muito tempo para fazer o público sentir o peso dessas tentativas falhas, Adrian (Justin Theroux), marido da protagonista e médico, sugere uma ida ao consultório do seu professor que trabalha com um novo método de fertilização. Dr. John Hindle (Pierce Brosnan) é um profissional renomado e muito simpático, cujo local de trabalho parece tão perfeito quanto ele próprio. Os tons pastéis da recepção e as enfermeiras super acolhedoras apenas reforçam essa estilização "sem defeitos", o que toma uma proporção que torna tudo aquilo estranhamente macabro.

    A personagem de Glazer transparece esse estranhamento, muitas vezes apenas por pequenas expressões faciais, mas é difícil não se render ao charme do médico quando finalmente consegue engravidar. No entanto, tudo fica bem peculiar já na sala de procedimentos, onde Lucy fica vulnerável aos homens (o marido e o médico) que se estendem sobre ela na maca, impondo-se como apoiadores, mas que constantemente tentam manipulá-la. A forma como a mise-en-scène é construída nesse local também é interessante, colocando as partes genitais da protagonista viradas em direção a uma porta que nunca está trancada, algo bem desconcertante. Além disso, a maneira como Brosnan exibe orgulhosamente o espéculo que será utilizado é desconfortável para assistir.
 
    Diante de uma série de acontecimentos que levantam a suspeita de Lucy, ela decide procurar uma parteira cujo anúncio estava na mesma revista da qual Dr. Hindle era capa. Grace Singleton (Zainab Jah) tem um discurso feminista de que as mulheres deveriam estar conectadas com o próprio corpo, inclusive na hora do parto, um momento que tende a ser esterilizado pelos hospitais, cujos protocolos tratam a gravidez de maneira mais parecida com uma doença do que com um processo natural. Com tanta desconfiança que o filme já despertou, é inevitável questionar se a parteira também não está conectada de alguma forma com o resto dos personagens. Uma coisa é certa: os pontos que Singleton levanta em seus vídeos online são pertinentes e deveriam ser levados mais a sério. No entanto, o roteiro escrito por Glazer e Lee utiliza a personagem para criar uma outra discussão social a partir de um plot twist do terceiro ato, uma decisão que enfraquece o arco e impede que ambas as críticas sejam trabalhadas efetivamente.
 
    O diretor demonstra um relativo domínio de suas construções visuais para criar metáforas, como na cena em que Lucy é enquadrada atrás das barras do berço que se assemelham a grades de uma cela, externalizando a sensação de aprisionamento sentido pela personagem. Isso também pode ser notado num plano no qual a protagonista está deitada na maca e seu rosto não aparece, fazendo com que a barriga gestante seja continuada com o busto de Adrian, que se sente dono daquela gravidez. No entanto, Lee não demonstra o mesmo controle com a brincadeira de gêneros que decide trazer para a tela, constantemente perdendo-se entre o horror (que funciona em poucos momentos), o drama social (que nunca sabe como fazer suas críticas) e a comédia (que drena do filmes as chances de realmente aterrorizar o espectador).
 
     Enquanto Glazer parece estar concebendo um projeto de paixão pessoal, ela consegue mergulhar numa personagem oprimida por todos que a rodeiam no trabalho (cujos companheiros são todos homens), em casa, no consultório médico e até em suas amizades, embora o background da atriz na comédia atrapalhe um pouco a experiência. A narrativa de fortalecimento feminino, que está cada vez mais sendo trazida pelo cinema americano, ganha mais peso com as discussões sobre gravidez, mas sofre pela falta de coesão tonal e pela falta de objetividade em seu discurso.
 
Texto publicado como parte da cobertura do Festival de Tribeca 2021
 

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