A Felicidade das Coisas (2021)


 
A FELICIDADE DAS COISAS
 
Direção: Thais Fujinaga
 
Ano: 2021
 
País de origem: Brasil
 
    A primeira imagem que a diretora Thais Fujinaga apresenta ao público são as ondas do mar, uma escolha que poderia parecer genérica, mas carrega o elemento metafórico que irá predominar durante quase toda a duração do filme. A água, um dos elementos naturais básicos, já foi utilizado milhões vezes na história das artes, sempre com significados muito próprias em sua construção narrativa, e o cinema não é exceção: para citar um diretor contemporâneo, o Hang Sang-soo adora explorar o efeito do mar (ou de um rio) em muitas de suas obras, algo que ele traz da filmografia de Éric Rohmer, uma de suas maiores inspirações.

    Em A Felicidade das Coisas, que estreou essa semana no Festival de Roterdã, a água parte do mar, aberto para todos, para o rio, um espaço delimitado por natureza, mas ainda público. Por fim, temos a piscina que Paula (Patrícia Saravy) comprou e sonha em instalar na casa onde está passando as férias com seus filhos, Guto e Gabi, e sua mãe. Enfrentando tensões familiares com o marido e problemas financeiros, além de estar no meio de uma gravidez, ela tenta concentrar suas forças na construção desse meio de lazer como forma de tentar alcançar uma espécie de felicidade.

    Essa privatização da água (mar - rio - piscina) durante o longa evidencia as questões sociais que são trabalhadas no subtexto do roteiro, escrito por Fujinaga, que já havia trabalhado no texto de outro filme que esteve em Roterdã, A Cidade onde Envelheço (2016). Como já é característica inerente à produção cinematográfica brasileira, política (principalmente desigualdade social) está presente em todo o longa, desde pequenos detalhes que são introduzidos de forma não tão sutil por alguns diálogos, como quando a avó está passeando com os netos por uma rua e Gabi comenta como aquelas casas são maiores do que a deles.

    No entanto, a diretora, estreante em longas, é capaz de criar uma mise-en-scène que consegue comunicar essas tensões sociais de forma bem mais interessante. Já na primeira cena que nos introduz aos trabalhadores piscina, eles estão dentro do buraco onde o objeto de desejo da protagonista será instalado, de forma que os vemos inferiores à família em um mesmo plano. Esta composição formará uma rima visual bem interessante com uma imagem do final do segundo ato, na qual garotos de classes mais baixas são vistos abaixo do local onde está acontecendo uma festa burguesa, demonstrando um lindo domínio da direção.

    Em termos de atuação, o núcleo principal concentra quase todo o tempo de tela, com cada um sendo capaz de desenvolver seus personagens. Enquanto a pequena Lavinia Castelari protagoniza um dos momentos mais sutis e significativos do filme, Messias Gois, dentre as crianças, é o que mais recebe atenção, embora a falta de experiência de ambos seja bem evidente. Magali Biff interpreta delicadamente a mãe da protagonista, uma figura que é subutilizada como suporte para o estudo de personagem do qual Saravy é responsável. Esta é a grande estrela do longa, carregando as diversas nuances da vida turbulenta de Paula, alguém que não consegue encontrar-se no meio do caos. Ao mesmo tempo que ela reproduz pensamentos nocivos de uma classe média baixa decadente, precisa encarar uma crise financeira e um marido ausente (a produção não lhe dá imagem nem voz) e opressor.

    A Felicidade das Coisas carrega fortemente as características formais do chamado "novíssimo cinema brasileiro", como o ritmo lento e o tom que mistura melancolia e apatia. Um padrão que não é problemático, já que gerou grandes filmes na última década, mas que precisa ser dosado para que não caia em uso apenas mecânico. Fujinaga, embora não seja capaz de fugir completamente desse obstáculo, consegue mostrar sua capacidade na direção ao elaborar um doce estudo de personagens e manipular bem seus elementos metafóricos. O vazio da cena final, entretanto, ainda salienta o caminho que ela tem pela frente.
 
Texto publicado como parte da cobertura do Festival Internacional de Cinema de Roterdã 2021

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