Nine Days (2020)

Sony Pictures Classics
 

NINE DAYS

Direção: Edson Oda

Ano: 2020

País de origem: EUA

    A incógnita sobre o que existe antes e depois da vida (ou se não existe) sempre foi motivo de discussão para a espécie humana, a partir do momento em que esta desenvolveu razão e a consequente capacidade de questionar. Os cristãos acreditam que, após a morte, somos destinados ao céu ou ao inferno, dependendo de nossas ações na Terra. Os budistas acreditam na reencarnação, seja em humanos ou em animais, a depender de suas condutas e do carma. Já os hindus também creem em reencarnação, com a diferença da existência do período entre uma vida e a outra, quando conhecemos nosso destino e, dessa forma, a missão que devemos cumprir. Outros não acreditam que exista algo além de células que se decompõem. Uma coisa é certa: ninguém é capaz de saber exatamente a resposta para tais perguntas, o que levou artistas a explorar, ao longo dos séculos, as diversas possibilidades abertas pelos maiores questionamentos a respeito de nossa existência.

    O brasileiro Edson Oda decide levantar novamente o assunto em sua estreia à frente de longas-metragens. Com produção executiva de Spike Jonze, Nine Days acompanha Will (Winston Duke) durante seu cotidiano num lugar que nunca sabemos exatamente o que é, uma decisão inteligente para fugir de discussões religiosas. O personagem acompanha a vida de algumas pessoas na Terra através da visão delas, projetada em diversos monitores localizados dentro da casa que abriga praticamente todo o filme. Quando uma delas acaba falecendo, o protagonista precisa iniciar a seleção da nova alma que ocupará aquela vaga, o que atrai alguns não-nascidos para o local.

    Muitos irão apontar semelhanças com a premissa da animação Soul (2020), cujo Great Before é uma versão parecida da realidade que acompanhamos aqui. Entretanto, a forma como os filmes abordam a temática é bem diferente: enquanto a Pixar recorre a sua tradicional linguagem mais infantil, Oda mergulha na abordagem do atual cinema independente americano, utilizando uma encenação mais realista, aliada ao teor fantástico da história. Nessa abordagem, Zazie Beetz é a integrante do elenco que mais se destaca ao lado de Duke. Ela serve como um mecanismo do roteiro para quebrar a ordem anteriormente estabelecida pela rigidez de Will, o qual se ressente pelas mágoas acumuladas durante o período em que esteve vivo, além de estar em processo de luto pela morte da pessoa anteriormente escolhida.
 
    Assim, o longa funciona concomitantemente como um estudo de personagem e um estudo da própria vida, refletindo sobre tudo aquilo que nos forma, mas principalmente sobre a beleza de estar vivo. As sequências mais lindas são exatamente aquelas que conseguem encontrar a grandiosidade nos pequenos detalhes, seja a sensação de colocar o pé na areia da praia ou a de andar de bicicleta, ouvindo o barulho da cidade, contemplando a natureza ou simplesmente tendo a experiência de se apaixonar pela primeira vez. Infelizmente, por causa da forma tão frontal com que essas sensações são apresentadas, a direção leva os atores a expressarem isso sem sutileza, recorrendo à magnificação de sentimentos e, consequentemente, a encenações exageradas que tendem a chamar atenção para si, típicas do cinema norte-americano.

    Quando o filme foi exibido pela primeira vez no Festival de Sundance, o mundo ainda não havia entrado na crise sanitária da COVID-19, porém, diante de tudo o que vivemos no último ano, é impossível que novas dimensões não sejam introduzidas aqui. Uma casa isolada, um homem separado do mundo, assistindo vídeos durante todo o dia. Oda parece reverenciar o poder do cinema e da televisão (ele até presta homenagem ao personagem Zacarias do grupo Os Trapalhões) em nos transportar para outras vidas, transformando as telas em janelas, por onde somos capazes de nos colocar em dimensões alternativas, viver como outras pessoas. Não é por acaso que a seleção para a "oportunidade da vida" assemelha-se bastante ao processo de escalação de elenco. E é exatamente através deste prisma que até meu incômodo com as atuações chamativas ganha novas camadas, pois parece ser uma celebração do audiovisual e da arte que o ator exerce ao se transformar em um outro alguém.

    A inspiração em alguns trabalhos do Terrence Malick fica evidente não apenas no clima quase etéreo com que lida com nossas existências, mas também na linda fotografia de Wyatt Garfield, a qual explora bem tanto a luz natural que inunda a paisagem ao redor da casa quanto a escuridão trazida pela noite. Outro grande destaque da parte técnica é a música do compositor Antonio Pinto (filho do cartunista Ziraldo), que carrega lindas composições que casam bem com a aura espiritual, além das letras em português serem mais uma homenagem do diretor a sua terra natal.

    Nine Days consegue explorar a beleza de estar vivo com personagens supostamente não vivos, ao mesmo tempo que celebra o audiovisual e a arte da interpretação. É surreal pensar que este é apenas o primeiro trabalho de Edson Oda como diretor de longas, o que mostra o enorme potencial que o espera no futuro. No final, o que resta ao público é só o impulso de querer viver, aproveitar cada momento, apaixonar-se e deixar para trás tudo o que nos impediu até agora.

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