Tove (2020)



TOVE

Direção: Zaida Bergroth

Ano: 2020

País de origem: Finlândia / Suécia

    Os Moomins são personagens que ficaram famosos no século XX, alcançando o imaginário popular através da literatura, do teatro e das histórias em quadrinho. Entretanto, a vida de sua criadora, a artista visual e escritora finlandesa Tove Jansson, nunca chegou a ser amplamente conhecida, permanecendo num relativo anonimato. Pelo menos até agora. A diretora Zaida Bergroth retorna às décadas de 1940 e 1950 para conceber a cinebiografia de uma mulher que viveu muito além de qualquer convenção social.

    Selecionado para abrir o Festival de Gotemburgo deste ano, Tove acompanha a personagem-título (Alma Pöysti) desde a época na qual precisava ficar abrigada durante a Segunda Guerra Mundial, quando começou a criar e contar as histórias dos Moomins, até a metade dos anos 1950. Durante este percurso, o roteiro, escrito pela estreante Eeva Putro, foge dos terríveis clichês das cinebiografias recentes. O foco do texto não é mostrar uma sucessão de passos que levaram Jansson à fama e à sua carreira de sucesso. Pelo contrário, os trabalhos dela são apenas uma pequena parte da narrativa, sendo esta direcionada a um estudo de personagem muito inteligente. A figura de artista é apresentada como consequência da pessoa.

    A protagonista nasceu em uma família de artistas e cresceu sob influência do pai escultor (Robert Enckel), um homem fechado e que encarava tudo que a filha tentasse fora da pintura como perda de tempo, e da mãe (Kajsa Ernst), artista gráfica. O problema era o fato de os quadros pintados por Jansson não serem capazes de sustentá-la financeiramente, levando-a para uma vida monótona e sem as cores que ela imprimia sobre as telas de seu ateliê. Só com o surgimento de Vivica Bandler (Krista Kosonen) é que sua vida começa a ganhar um certo impulso. A descoberta da bissexualidade é encarada com muita sensibilidade pela direção, sem apelar para imagens fetichistas, mas sempre sendo capaz de mostrar a intensidade daquela relação, através de uma troca de olhares e palavras bem arquitetada.

    Bergroth controla todos os aspectos técnicos para que eles sirvam à narrativa. O design de produção realiza uma reconstrução de época bem interessante e ajuda a compor visuais belíssimos. Há uma oposição acentuada entre a construção do apartamento da protagonista e a casa de Bandler, apresentando a diferença de realidade entre o proletariado e burguesia, uma dinâmica explorada pelo filme com uma sutileza incrível. Os figurinos também expõem essas diferenças entre elas e auxiliam na concepção da imagem dominadora e sensual de Vivica diante de Jansson. A diretora utiliza brilhantemente o design de som, ressaltando o silêncio como catalizador de sentimentos complexos. É exatamente quando as palavras não saem que a realizadora demonstra o domínio de sua arte.

    Com uma atuação brilhante e nuançada de Pöysti, o longa é um dos melhores exemplos de que cinebiografias ainda podem ser interessantes quando colocadas na mão de uma direção competente e contando com um texto que saiba explorar a pessoa em vez da figura pública. Responsável por algumas das melhores linhas de diálogo recentes, Tove guarda seus momentos mais tocantes para um terceiro ato incrível e capaz de concluir o arco da protagonista de forma digna e sensível.

Texto escrito por Matheus C. Fontes e publicado como parte da cobertura do Festival de Cinema de Gotemburgo 2021

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