Meu Pai (2020)



THE FATHER

Direção: Florian Zeller

Ano: 2020

País de origem: Reino Unido / França

    Texto escrito por Matheus C. Fontes

    Como eu já escrevi na meu texto sobre o documentário chileno Agente Duplo, o envelhecimento é um processo do qual tenho extremo receio (medo, para falar a verdade). Crescer com alguém próximo chegando à velhice não é algo fácil, e eu tive essa experiência em dose tripla, algo que me fez enxergar a passagem dos anos com um certo temor. Todos nós sabemos aquilo que no aguarda no final, mas pensar naquilo que o antecede é ainda mais doloroso para alguns. Sei que essa é uma visão muito particular, construída ao longo da minha vida, e que outros têm uma visão bem mais otimista sobre seus últimos anos de vida, mas algo é inegável: todos queremos terminar como nós mesmos.

    Cada ser humano possui uma personalidade própria por causa dos passos que deu, dos momentos que viveu e das memórias que mantém consciente ou inconscientemente. O mal de Alzheimer é uma patologia degenerativa responsável pela perda de funções cerebrais importantes, principalmente a preservação da memória. Quando uma pessoa não possui mais a consciência de espaço, tempo e de quem é, ela ainda é a mesma? Esta é uma pergunta a qual o doente não pode nem mesmo levantar, ficando restrita àqueles que o rodeiam.

    No mesmo ano em que a documentarista Kirsten Johnson lançou As Mortes de Dick Johnson, um registro da convivência com seu pai depois deste ser diagnosticado com Alzheimer, Florian Zeller traz sua peça de teatro para o cinema. Meu Pai é sua estreia na direção de longas e é o resultado da adaptação do texto escrito originalmente para os palcos. Na obra, Anthony (Anthony Hopkins) lida com a perda de memória enquanto tenta entender o que está acontecendo à sua volta, norteado principalmente pela presença da filha Anne (Olivia Colman, em uma atuação que encontra seu ápice no silêncio e no olhar).

    O roteiro não se prende na tradicional estrutura de três atos, já que tudo que o espectador vê e ouve é sob a perspectiva do protagonista. Logo, as próprias estruturas narrativas dobram-se sobre si mesmas, provocando uma experimentação interessante sobre a própria forma de se contar uma história. Talvez seja nessa manipulação da realidade fílmica que o diretor encontra sua maneira de se libertar das amarras do teatro. Enquanto obras recentes, como A Voz Suprema do Blues e Uma Noite em Miami (concorrentes da atual temporada de premiações), não conseguiram encontrar a linguagem do cinema para explorar os textos originais, Zeller aproveita as possibilidades da Sétima Arte para ampliar suas ideias.

    Nesse sentido, a montagem é parte fundamental para o efeito desnorteador alcançado pelo diretor. Em uma mesma cena, durante uma dinâmica de plano e contraplano, personagens trocam de rostos e a frustração provocada por tal estratégia não atinge Anthony unicamente. O público é convidado a sentir a angústia do personagem, transformando o longa em uma "máquina de empatia", como diria Roger Ebert. Um outro aspecto técnico que reforça muito bem essa imersão na vida de um portador de Alzheimer é a direção de arte: os cômodos do apartamento vão sendo constantemente modificados, como se fossem peças de um quebra-cabeça sendo montado a partir das lembranças do personagem, constituindo um dos melhores usos do design de produção entre os filmes do ano passado.

    Embora a direção consiga orquestrar as equipes técnicas de forma bem eficaz, é o estudo sobre a condição da patologia em questão que eleva o trabalho para um outro nível. Qualquer pessoa que tenha (tido) contato com um paciente com tal doença degenerativa vai ser capaz de identificar a acurácia do texto e da atuação fantástica de Hopkins. O ator, com mais de 80 anos, transparece mais vivacidade do que a maioria das jovens estrelas, que perecem trabalhar no piloto automático, e alcança uma representação quase impecável do Alzheimer. Muitos detalhes me remeteram a algumas experiências com minha avó, como o TOC com o relógio, algo bastante presente nos indivíduos acometidos.

    No entanto, o fator mais tocante para mim é o fato do protagonista não lembrar o que aconteceu com sua outra filha, fazendo-o reviver um momento traumático mais de uma vez. Recentemente testemunhei algo parecido: minha avó perguntou onde o irmão dela estava e alguém respondeu na maior frieza: "ele morreu", transformando sua feição em um misto de confusão e dor.

    Foi neste momento que eu percebi a importância social e educativa de Meu Pai, um filme que eu vou fazer questão de mostrar para todos da minha família que convivem com vó. Espero que todos que cuidam de alguém com a doença também tenham a oportunidade de assistir e enxergar além de suas concepções de mundo.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Capitu e o Capítulo (2021)

Mangrove (2020)

Oscar 2022: Apostas para as Nomeações