Cowboys (2020)



COWBOYS

Direção: Anna Kerrigan

Ano: 2020

País de origem: EUA

    As produções audiovisuais que abordam causas LGBTQIA+ têm uma importância social muito grande, pois são uma maneira (às vezes, a única) de pessoas historicamente excluídas serem capazes de  se enxergar na tela. Sendo assim, realizadores constantemente sentem-se na obrigação de conceber um filme quase como um aula sobre o tema, recorrendo a narrativas convencionais, o melodrama para despertar sentimentos (rasos) no público e roteiros didáticos e expositivos, como se fosse seu dever ensinar o espectador a realidade daquelas pessoas. Um gesto nobre e socialmente importante, mas que acaba esquecendo a dimensão artística do cinema.

    Este é um problema cada vez mais comum, e Cowboys é apenas mais um exemplo disso. O novo longa da diretora Anna Kerrigan é um drama focado no relacionamento entre um pai com problemas psicológicos (Steve Zahn), uma mãe super controladora (Jillian Bell) e um garoto de 11 anos (Sasha Knight), que recentemente revelou ser transexual para a família. O patriarca Troy voltou do serviço militar a poucos anos, carregando traumas que o transformaram em uma pessoa completamente diferente, sendo agora muito susceptível a surtos psiquiátricos. É no meio de todo esse caos que o pequeno Joe precisa encontrar a própria identidade e fazê-la ser aceita pelos outros.

    Sim, parece que nós já vimos essa história sendo contada diversas vezes no cinema recente. Isso porque não é nada mais do que a soma dos mais escancarados clichês melodramáticos da "Sessão da Tarde", o tipo de filme que não está nem um pouco preocupado em explorar a dimensão da linguagem cinematográfica, mas em apenas relatar acontecimentos ficcionais. Quando este fato é superado, é evidente que Cowboys desempenha de maneira razoável o papel que lhe é proposto, manipulando escancaradamente a narrativa para provocar emoções no público.

    Embora as escolhas criativas da diretora nunca busquem nada além do convencional, alguns setores técnicos tentam conferir uma certa plasticidade para o longa, principalmente a fotografia de John Wakayama Carey, que concebe alguns planos bem atraentes esteticamente ao explorar a beleza natural da fronteira dos Estados Unidos com o Canadá. A montagem de Jarrah Gurrie tenta quebrar a linearidade da narrativa constantemente, uma estratégia que acaba funcionando em determinadas sequências por ressaltar efeitos de causa e consequência e por revelar pontos de virada do roteiro no momento certo. No entanto, Gurrie nem sempre é feliz em suas escolhas, criando um caos lógico em algumas passagens, além de provocar uma sensação anticlimática em outras.

    A única justificativa para o filme não ser um completo fracasso é sua importância político-social em termos de representatividade para a comunidade transexual, ainda tão pouco vista como deveria, principalmente na faixa etária do protagonista. Embora falte à diretora sensibilidade para discutir as nuances da disforia de gênero, a atriz não-binária Sasha Knight consegue compensar pontualmente por ser uma escolha mais do que acertada da direção de elenco, que ainda trouxe o subestimado Steve Zahn para um papel que consegue destacar a potência de sua caracterização dramática.


Texto publicado como parte da cobertura do BFI Flare: London LGBTIQ+ Film Festival 2021

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