Enfant Terrible (2020)



ENFANT TERRIBLE

Direção: Oskar Roehler

Ano: 2020

País de origem: Alemanha

    Realizar uma cinebiografia não é tão fácil como parece para alguns. O filme não pode simplesmente contar passagens da vida da personalidade abordada, de seu nascimento até a morte, de forma didática e convencional, como na maioria dos livros bibliográficos. O cinema é uma expressão artística que, em seus 125 anos, provou o quão independente consegue ser da literatura e do teatro, aos quais era tão associado à altura de seu surgimento. Estamos falando de uma arte audiovisual, a qual pode (e muitas vezes deve) utilizar uma quantidade exorbitante de recursos para contar histórias ou simplesmente provocar sensações no público.

    Sendo assim, representar a vida de uma pessoa real apenas complica mais a tarefa dos realizadores. Ao olhar alguns exemplos do gênero lançados nos últimos anos é perceptível como esses filmes assumiram uma narrativa ortodoxa e já esgotada, longe de explorar todas as possibilidades oferecidas pela Sétima Arte, um problema que cineastas como Spike Lee (Malcolm X) e Paul Schrader (Mishima: A Life in Four Chapters) provaram previamente ser possível de contornar. Infelizmente este é um feito que Oskar Roehler só consegue atingir em partes neste novo trabalho.

    Selecionado para o Festival de Cannes do ano passado, Enfant Terrible busca homenagear a vida e a carreira do diretor e ator alemão Rainer Werner Fassbinder, um dos responsáveis pelo Novo Cinema Alemão. Sua trajetória artística já é bem conhecida pelos amantes de cinema, sendo sempre pontuado momentos importantes e marcantes de sua filmografia, desde o surgimento de sua vontade de criar filmes com seus amigos do teatro até obras que o consagraram futuramente. Nesta jornada, Roehler nos leva até Cannes, onde Fassbinder negou-se a ir até a estreia do seu filme por medo da reação do público, e Berlim, onde ganhou o cobiçado Urso de Ouro.

    Entretanto, o que mais interessa aqui não é apenas o cineasta, mas o ser humano por trás da figura pública, desconhecido por muitos. É daí que surge o título do filme: Fassbinder podia até ser um gênio na direção de longas, mas era também uma pessoa difícil de se trabalhar, manter uma relação ou mesmo estar perto. Enfant Terrible exibe muito bem isso ao longo de mais de 2 horas de duração, chegando ao ponto de nos perguntarmos se já não tínhamos visto o protagonista insultando a mesma pessoa outras 10 vezes antes. A resposta é positiva. O roteiro de Klaus Ritcher parece sofrer de boa parte dos maneirismos presentes nas cinebiografias, utilizando um texto bem convencional que destoa da própria personalidade nada ortodoxa do aclamado diretor.

    Por outro lado, os aspectos visuais conseguem ousar com algumas ideias que remetem à filmografia de RWF, como a decisão de utilizar cenários figurativos que evocam Querelle (1982), sua última obra, além de ser uma conexão com a origem dele no teatro. O derradeiro filme de Fassbinder ainda é responsável por inspirar parte dos figurinos dos personagens, especialmente a linda roupa de marinheiro feita de couro, um detalhe que ainda externa o lado sexual do protagonista, sendo uma ligação com as boates gays da época.

    Enfant Terrible é um longa altamente irregular que não seria o mesmo sem a atuação brilhante de Oliver Masucci, mais conhecido por seu papel na série Dark. Aqui ele encarna o papel principal com uma fisicalidade incrível, além de ter passado por uma transformação corporal para viver o personagem. Ele é a estrela de um filme que nunca se decide qual sua abordagem, navegando entre visuais inventivos e uma linha narrativa ancorada na terra firme, que está sempre temendo aventurar-se fora do convencional.

Texto publicado como parte da cobertura do BFI Flare: London LGBTIQ+ Film Festival 2021

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