The Novelist´s Film

THE NOVELIST'S FILM

Direção: Hong Sang-soo

Ano: 2022

País de origem: Coreia do Sul

    O mestre sul-coreano Hong Sang-soo já é figurinha carimbada do Festival de Berlim, com várias vitórias na Competição principal desde 2017, então não é surpresa sua vitória do Grande prêmio do Júri na última quarta-feira (16). Da mesma forma, seu estilo característico está completamente de volta em The Novelist's Film, uma obra que retorna a temas recorrentes na filmografia do autor, ao mesmo tempo que funciona como uma espécie de filme-testamento, seja para sua própria carreira, o cinema ou a relação entre arte e artista.

    Jun-hee (Lee Hye-young), uma celebrada escritora no meio de um bloqueio criativo, decide visitar uma antiga amiga que abandonou tudo há anos para se dedicar a uma pequena livraria. Assim que o filme corta para dentro do local, ouvimos uma discussão acalorada, embora nunca consigamos visualizar a cena. Esta ocultação de imagem é marca registrada do diretor, cuja mise-en-scène é construída de forma a desmembrar os espaços, juntando os atores no mesmo plano para negar a existência de um contra-plano (característica levada à máxima potência em Grass). Esta é também a base narrativa e formal do novo longa: a natureza da imagem, sua ausência e construção.

    No meio de uma das longas conversas típicas do Sang-soo, uma personagem traduz o trecho de um dos livros da protagonista para a língua de sinais, deixando Jun-hee encantada e fascinada. Ela até mesmo pede para que todos fiquem em silêncio enquanto pratica os gestos diversas vezes com as mãos. Palavras saídas do papel para as bocas das personagens tornam-se imagem pela primeira vez. A magia do cinema sendo colocada em evidência num dos momentos mais belos que o diretor já concebeu ao longo dos anos.

    Através de uma sucessão de encontros inesperados (mais uma exacerbação de seu estilo), a protagonista revive traumas passados com um diretor (Kwon Hae-hyo) que havia prometido adaptar um livro dela, utilizando desculpas relacionadas a aspectos comerciais. No entanto, as pessoas que cruzam seu caminho em seguida oferecem um tipo de cura para tais experiências. Kil-soo (Kim Min-hee, em mais um papel com traços autobiográficos) é uma famosa atriz que está afastada de grandes produções, dedicando-se a sua vida pessoal e filmes independentes. O marido dela também é ator e o sobrinho dele é estudante de cinema. Todas essas coincidências fazem Jun-hee propor a filmagem de um curta-metragem.

    O fato de uma escritora literária dirigir um filme é uma clara referência à carreira do Sang-soo, taxada por muitos de ser menos cinema por causa do trabalho simples de câmera e pelos diálogos verborrágicos. Entretanto, tal simplicidade apenas esconde uma incrível sofisticação formal que fica cada vez mais apurada. A diegese de elementos fílmicos, por exemplo, é algo com a qual o autor já havia brincado anteriormente, como a música em Na Praia à Noite Sozinha (2017), e que volta a acontecer aqui: a protagonista pega os binóculos do personagem diretor e dá zoom, uma das características centrais do mestre sul-coreano. Assim, ela toma aquela forma de arte para si num gesto singelo, mas muito significativo.

    Apesar da presença da Min-hee em tela ser sempre um acontecimento, é Hye-young o grande destaque entre as atuações, dominando o leve tom cômico dos diálogos e com uma incrível sutileza para retratar desconforto, algo que já tinha ficado evidente em In Front of Your Face. O diretor também traz desse filme a ideia de viver plenamente no presente, como fica evidente pela obsessão de Jun-hee em ficar olhando aquele parque onde as pessoas estão fazendo caminhada.

    No entanto, são as últimas sequências que guardam o ápice formal e temático. A montagem do Sang-soo torna ambígua a inserção de um aparente vídeo caseiro no qual ele grava a Min-hee (sua parceira na vida real) durante uma caminha deles pelo mesmo parque que já havia aparecido. Como somos levados a pensar que aquele é o curta-metragem dirigido pela protagonista, a pergunta que fica é se aquilo é encenado ou real. Dessa forma, o diretor condensa comentários sobre todo seu estilo naquela sequência: a aparência de captura da realidade, enquanto rompe com esta, seja pelos zooms, pela trilha não diegética ou pelo uso do preto e branco, cuja função é sempre questionada por parte do público e vira piada dentro do próprio filme, culminando num dos finais mais memoráveis em sua obra.

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