IFFR 2022 - Parte #2

MALINTZIN 17

Direção: Eugenio Polgovsky, Mara Polgovsky

Ano: 2022

País de origem: México

    Após o falecimento do diretor Eugenio Polgovsky, sua irmã Mara encontrou filmagens caseiras gravadas principalmente através da janela do apartamento dele. Nas imagens, a câmera observa o mundo através do enquadramento que quebra a parede do conforto daquele lar em direção ao mundo, uma situação já bem simbólica para o cinema. E é exatamente por tanto potencial carregado na mise-en-scène que a experiência com o filme foi desapontadora. Percebe-se o esforço da montagem em transformar aquele material bruto em um filme com propósito, trabalhando especialmente a relação entre o cineasta e a filha pequena e fazendo uma relação com o pássaro que montou seu ninho no meio dos cabos de energia. Uma homenagem bastante singela e delicada, mas que infelizmente não vai muito além disso através da forma fílmica.


PAIXÕES RECORRENTES

Direção: Ana Carolina

Ano: 2022

País de origem: Brasil

    O retorno de Ana Carolina após anos longe do cinema felizmente faz jus ao seu legado no audiovisual brasileiro. Paixões Recorrentes funciono quase como um teatro filmado, encapsulando seus personagens e fazendo-os discutir seus diferentes posicionamentos políticos. Uma unidade narrativa limitada que colabora para que cada figura habitando a Ilha do Mel funcione como a representação de algo muito maior, algo parecido com o que Tarkovsky fez em Stalker, por exemplo.

    Brasileiros, portugueses, um argentino e uma francesa encontram-se numa praia deserta, onde provavelmente colonizadores desembarcaram séculos atrás e deram origem a miscigenação de povos que deu vida ao Brasil de hoje. Cada um carrega ideais de direita ou esquerda, seja um capitalista, uma comunista, um trotskista ou um fascista. Todos são obrigados a debaterem os diferentes pontos de vista por causa da mise-en-scène teatral que os obriga a tal. Uma discussão que não tem como terminar numa solução pacífica, como um alienado norte-americano poderia imaginar. Pelo contrário, o longa se encerra no dia em que a Segunda Guerra Mundial tem início, um prelúdio do conflito inevitável entre extremos.

    No entanto, a diretora não está nem um pouco interessado em falar dos conflitos do século passado, já que toda a sua encenação parece muito mais um símbolo para o extremismo emergente no atual cenário político brasileiro. Um povo que se originou da união de tantos outros pode encontrar unidade? Ana Carolina não está interessada nessa visão pretensiosa de encontrar alguma solução, mas enquadra todo o contexto com sua câmera. É no meio de uma ilha tropical que ela encontra o retrato do Brasil: pessoas que chegam de barco e parecem não encontrar saída, embora estejam em constante fuga; conflitos de corpos e ideias em meio a diferentes línguas que conseguem significar palavras, mas não se entendem verdadeiramente; uma cidade fantasma que respira o passado colonial em suas construções, enquanto estas são mostradas já deterioradas pelo tempo, num simbolismo da própria permanência do que passou naquilo que permanece.


THE PLAINS

Direção: David Easteal

Ano: 2022

País de origem: Austrália

    Se Malintzin 17 tinha uma grande oportunidade de explorar a natureza do enquadramento no cinema e acabou não explorando isso de forma satisfatória, The Plains consegue com uma simplicidade que até esconde a complexidade daquilo que o diretor David Easteal alcança aqui. Ele posiciona a câmera no banco de trás do carro de Andrew, um homem de meia idade que sai do trabalho todo dia ao final da tarde e encara o trânsito até sua casa. Eventualmente, ele acaba dando carona a Easteal e um laço começa a ser formada a partir de conversas casuais dentro daqueles espaço e tempo delimitados.

    Ao manter a câmera estática, o cineasta cria uma mise-en-scène interessantíssima, a qual carrega grande valor simbólico sobre a própria maneira de contar uma história no audiovisual. Em especial, existe uma construção intrigante sobre personagens numa narrativa cinematográfica. Os dois protagonistas são apresentados ao público através de suas próprias vidas, mas estas seriam encenadas até determinado ponto ou não? E até onde conhecemos cada um deles? É aí que entra a ideia do plano no filme, pois, como espectadores, só podemos acompanha-los até o próximo corte, fazendo com que cada unidade fílmica funcione como nossa ponte até a vida e os sentimentos deles, além da união de cada cena através da montagem proporcionar uma construção de sentido narrativo por si só.

    Embora a inclusão das filmagens caseiras de Andrew retire um pouco da força dos planos principais e pareça uma decisão um tanto descartável, este ainda é um trabalho bastante maduro de um diretor que está apenas estreando em longas-metragens. Easteal nos presenteia com um dos grandes destaques da atual edição do Festival de Roterdã e já põe seu nome no mapa de promessas do cinema contemporâneo.

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