#09 Mostra de São Paulo 2020

 



FILHO DE BOI

Direção: Haroldo Borges

Ano: 2019

País de origem: Brasil

    A influência do Neo-Realismo fica evidente logo no início de Filho de Boi, longa-metragem brasileiro que já rodou vários festivais internacionais e chega ao nosso país através da Mostra de São Paulo. A utilização de não-atores, os flertes com o documentário, a câmera na mão, a inquietude da narrativa, tudo é posto na tela com objetivo de fazer o público sentir aquela realidade, aquele sol, aquela terra e, principalmente, o turbilhão de sentimentos que perpassam o protagonista João durante este belo coming-of-age.

    Em uma das primeiras cenas, vemos João tentando resgatar um boi que ficou preso no meio do arame farpado. Uma imagem que traduz bem sua própria vida na pequena cidade de Tamboril, no interior da Bahia, onde todos o chamam pela expressão que nomeia o filme. Não fica claro inicialmente o significado daquilo, o que o roteiro decide revelar apenas aos poucos, demonstrando a sutileza do texto. O principal elemento que precisa ser desvendado para isso é o pai do garoto, que ganha ainda mais destaque por causa da presença sempre forte do ator Luiz Carlos Vasconcelos. Este constrói o personagem como um homem machucado pelas dores do passado, representado por sua sanfona, que ele tanto tenta empurrar para debaixo de sua cama.

    Assim como o pai, João também aparece quase sempre com uma expressão séria. Ele precisou se fechar para o mundo que o rodeia, cheio de indivíduos com atitudes tão áridas quanto o solo sob seus pés. É a chegada do circo à cidade que faz com que ele tente dar seus passos para longe daquele local, daquelas pessoas. Salsicha (Vinícius Bustani) é a figura oposta ao pai, representando todo o afeto e carinho que aquele menino não experimenta em muito tempo. O circo é a representação da fuga de João para um mundo fantástico com o qual ele sempre sonhou. É lá que vemos os primeiros sorrisos do garoto serem arrancados. E é Salsicha que faz com que ele consiga se expressar, de uma forma que ele não consegue nem com o pai ou com qualquer outro morador de Tamboril. Sua voz ecoa alto quando sua nova figura paterna o obriga a falar no carro de som, fazendo questão de apresentar o nome dele para toda a cidade.

    João Pedro Dias é a grande estrela no meio do sertão, a grande revelação do cinema brasileiro neste ano tão atípico. A rispidez de João logo é transformada, revelando uma criança muito curiosa, que faz uma série de perguntas às pessoas do circo e que sente a necessidade de observar tudo naquele novo universo que se abre para ele entre as frestas da lona do picadeiro. Os olhos expressivos do ator são capazes de transmitir o mais complexo dos sentimentos, sem que nenhuma palavra seja proferida.

    Em certo momento, Salsicha diz: "com essa vontade de bater asa, devia ter bem nome de passarinho". Foi impossível não traçar paralelos entre o arco dramático do protagonista e minha própria vida, já que ambos somos nordestinos, embora tenhamos crescido em realidades muito diferentes. Essa vontade de fugir para bem longe, onde possamos ser realmente felizes, é o desejo de muitos nordestinos. Imaginamos que longe daqui nós estaremos livres de tudo que nos oprime e, assim, poderemos viver em uma verdadeira fantasia. No entanto, em algum momento de nossas vidas, percebemos que não adianta fugir, não é assim que nossos problemas serão superados. A única alternativa é permanecer e lutar.



Texto escrito por Matheus C. Fontes como parte da cobertura da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

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