#08 Mostra de São Paulo 2020

 

MALMKROG

Direção: Cristi Puiu

Ano: 2020

País de origem: Romênia/Sérvia/Suíça/Suécia/Bósnia e Herzegovina/Macedônia do Norte

    O cinema romeno começou a ganhar destaque quando o Leste Europeu se abriu para o livre mercado e investimentos começaram a ser feitos no setor, alcançando seu ápice com a chamada "Nova Onda". Muitos historiadores consideram que esta teve início com o filme O Caminho das Boas Intenções (2001), dirigido por Cristi Puiu, que veio a ganhar os holofotes do mundo com o seu subsequente trabalho, A Morte do Sr. Lazarescu (2005). Outros cineastas romenos conseguiram destaque de lá para cá, como Cristian Mungiu e Corneliu Porumboiu, mas Puiu já garantiu seu lugar de destaque.

    O novo trabalho do diretor é Malmkrog, que teve sua estreia mundial no Festival de Berlim, no início do ano, e chega ao Brasil através da Mostra de São Paulo. É um projeto de 3 horas e 20 minutos que vem dividindo opiniões, já que constitui uma experiência pouco acessível, seja por sua longa duração, seus diálogos filosóficos, ritmo lento ou pelas faltas de virada no roteiro.

    Inspirado pelas filmografias de mestres como Ingmar Bergman e Jean Renoir, Puiu leva o público através de uma série de discussões entre alguns personagens, que ficam confinados em uma mansão durante um dia. Essas pessoas são figuras sobre as quais pouco sabemos ao longo da projeção, mas são os instrumentos que o cineasta utiliza para discutir os mais diversos temas, como o bem e mal, a natureza da guerra, Deus, religião, cultura e política.

    Seria muita pretensão do roteiro tentar chegar a um tipo de resposta para as perguntas levantadas, mas não é este o objetivo almejado. Ele está muito mais preocupado com a retórica, a formulação dos argumentos (às vezes geniais, às vezes um mero exercício narrativo) que são utilizados para mover as discussões. A direção e o roteiro também encontram momentos de respiro no meio de tantos diálogos eruditos. Em um dos seis capítulos do filme, intitulado István (o chefe dos empregados da casa), observamos o funcionamento da casa, a movimentação dos serviçais enquanto trabalham. São momentos aparentemente banais, mas são apresentados de forma quase divina naquele meio aristocrata.

    O diretor encontra o ponto central de seu trabalho na construção da mise-en-scène. A maneira como a imagem é formulada é incrível, demonstrando um enorme controle da câmera e da coreografia dos atores. Puiu sabe exatamente o que mostrar, quando mostrar e como mostrar, evocando bastante o primeiro ato de O Sacrifício (1986), de Andrei Tarkovsky. Com isso, ele exibe visualmente os pensamentos e interações entre os personagens, posicionando-os em uma lógica que obedece a dinâmica entre eles e as ocasionais mudanças de opinião. Fortalecido ainda por uma excelente mixagem de som que confere tensão em certos momentos, Malmkrog é mais um marco na maravilhosa carreira de seu realizador.




NADANDO ATÉ O MAR SE TORNAR AZUL

Direção: Jia Zhangke

Ano: 2020

País de origem: China

    Documentários que são focados em uma série de entrevistas para compor sua narrativa constituem uma faca de dois gomes, pois podem acabar sendo uma experiência entediante e monótona ou uma na qual o lado humano é exposto fortemente na tela. Eduardo Coutinho foi um mestre neste estilo de abordagem, colecionando algumas das maiores obras-primas do cinema brasileiro, como Cabra Marcado para Morrer, Edifício Master e Jogo de Cena.

    O aclamado diretor chinês Jia Zhangke, responsável pelo pôster da edição da Mostra de São Paulo deste ano, exibe seu mais novo trabalho, Nadando Até o Mar Se Tornar Azul. Trata-se de um documentário sobre uma série de acontecimentos pessoais, sociais, políticos e artísticos ocorridos na China durante os últimos 70 anos. Seu foco está em escritores renomados do país e como suas vidas, seus legados e sua arte são parte de muitas outras histórias.

    Óbvio que, em uma abordagem como esta, grande parte do resultado final depende dos entrevistados e do entrevistador. Neste ponto, fica clara a oscilação da qualidade ao longo do filme. No entanto, a sensibilidade de Zhangke é capaz de extrair momentos dignos do bom cinema que ele tanto realizou ao longo dos anos. Os últimos 15 minutos são avassaladores, quando o diretor decide mostrar a passagem do legado entre as gerações. Iniciando com histórias sobre escritores que já faleceram, ele expõe, quase no final, a beleza da passagem do conhecimento entre uma mãe e um filho. As palavras passam da boca dela para a dele e, assim, permanecem vivas.



Texto escrito por Matheus C. Fontes como parte da cobertura da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

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