A Song Called Hate (2020)



A SONG CALLED HATE

Direção: Anna Hildur

Ano: 2020

País de origem: Islândia

    Arte e política. Uma exerce influência sobre a outra? O artista deve se posicionar politicamente? São algumas das inúmeras questões levantadas ao longo de A Song Called Hate, documentário de estreia da diretora Anna Hildur fora da televisão (ela já havia trabalhado em outros dois projetos para a pequena tela). O filme acompanha a banda islandesa Hatari, cuja formação é abordada nos minutos iniciais de maneira pouca inovadora (através de entrevistas e imagens de arquivo), mas eficiente em seu objetivo. O longa não é uma cinebiografia do grupo, apenas busca abordar um acontecimento em sua trajetória: sua viagem e performance na final da da Eurovision Song Contest 2019, que aconteceria em Tel Aviv (Israel).

    Mas não se enganem: o filme não é uma jornada em busca de vitória, o problema é bem maior do que a competição em si. Hatari é uma banda formada com o objetivo de levantar questões sociopolíticas, principalmente de teor anticapitalista, embora não necessariamente de esquerda, já que o discurso beira a anarquia em alguns momentos. Só a entrada deles no jogo já era uma maneira de ironizar o sistema. A questão é o fato de a última etapa ocorrer em Israel, país que oprime o povo palestino, provocando um segregação baseada em etnia, religião e posicionamento político. Diante de um forte movimento de boicote à Eurovision e dos próprios conflitos ideológicos, os integrantes da banda precisam decidir se irão participar do evento ou aderem ao boicote.

    A proposta do documentário não é original (Miss Americana abordou algo parecido com Taylor Swift, embora em outro contexto), mas traz a discussão para uma situação bem mais complicada, pois o embate entre Israel e Palestina possui repercussão internacional e constitui uma das situações mais delicadas do mundo atualmente. É interessante acompanhar os líderes do Hatari em uma jornada de descobrimento (do real estado em que as coisas se encontram na região e de si próprio) enquanto enfrentam uma enorme pressão das autoridades da competição, de Israel e do movimento pró-Palestina, à medida em que eles não conseguem o apoio de nenhum dos lados.

    Eles devem cantar? Devem protestar? Devem boicotar? Estão sendo coerentes com suas próprias ideologias? São vários os questionamentos levantados. No entanto, talvez tenha faltado uma participação mais ativa da documentarista para conseguir extrair a complexidade dos dilemas enfrentados pelo grupo. Um dos problemas é o foco quase total nos dois vocalistas, já que ela pouco se interessa no restante dos integrantes, o que limita ainda mais o debate. Mas o real problema talvez seja o tom final do filme, como se posicionasse o Hatari como heróis de uma guerra que nem os afeta diretamente.

    Hildur consegue recuperar a vivacidade de seu documentário nos minutos finais, quando finalmente tira a banda da tela e mostra os fãs mirins, o resultado de artistas que se posicionam politicamente e exercem uma tomada de consciência no público.

Texto escrito por Matheus C. Fontes e publicado como parte da cobertura do Festival de Cinema de Gotemburgo 2021

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